Neste trabalho, em 25 de fevereiro do ano de 1937, o autor aborda a origem; nomadismo; característica comum; a mulher; o casamento; tipos de habitação; gêneros de trabalho, o fogo e a roça; mezinhas; crendices; modo de cumprimentar; armas e armadilhas; o pilão; influência do mascate na vivência sertaneja.
Em dezembro do ano de 1938, o autor aborda aspectos geográficos e hidrográficos bem como as divisas do município de Tanabi.
Publicou, em 1940, o livro “Expressões do Populário Sertanejo”, 219 páginas, edição da livraria Civilização Brasileira, que foi recebido com louvores pela crítica nacional. Nesse livro, o autor pesquisou tradições populares, superstições, parlendas, modismos, frases feitas e a gíria local e regional, uma fonte inesgotável de consulta.
Em 1942, lança a obra “Garcia Redondo” (admirado polígrafo da França moderna, engenheiro e romancista já olvidado), mediante o qual obteve ingresso na Academia de Ciências e Letras do Estado de São Paulo; esta publicação foi a tese de recipiendário. Garcia Redondo é o patrono da cadeira, na Academia, que Sebastião Almeida ocupou.
Em 1947, lança o “Cancioneiro Tanabiense”, publicação feita pela revista do Arquivo Municipal de São Paulo; nesta obra, o autor traduz expressões de cunho romântico e amoroso, ao passo que, na segunda parte, registra cantigas de escárnio e burla, eivadas de sadio humorismo e pandas de malícia; canções a um tempo jogralescas e sensatas resultam desabafos de quem sofreu ingratidões ou desenganos e, através de comparações e cotejos, que vão até ao insulto, entremostram estados de alma diversos por meio de imagens raras e perfeitas.
No ano de 1948, publica outra obra intitulada “Folclore e outros Temas”, pela editora Gazeta de Limeira S.A. Editora; na presente obra, o autor estudou ensaios temáticos sobre a nossa demopsicologia.
Por fim, em 1977, lança “Subsídios para a história de Tanabi”, edição da editora Grafik – assessoria e consultoria editorial – São Paulo. Neste tema, o autor descreve o fator histórico do município de Tanabi; suas origens, povoação, fundação etc.
Incansável na escrita, deixou no prelo outras obras literárias; mas não foi possível sua publicação, devido a falta de recursos financeiros para a concretização e efetivação junto ao domínio público. Ficaram para serem lançadas as seguintes obras: “Poranduba Folclórica”, “Notas de Leitura”, “Expressões do Populário Brasileiro”, “Estudos sobre Paremiologia” e “Conceito e Definição de Folclore”.
Artigos que falam sobre Tanabi
Tanaby
Tanabi
Joaquim Chico
Tanabi e seu presídio
A sede – Tanabi
Cancioneiro Tanabiense
Cancioneiro Tanabiense
Estrada do Taboado I
Entre
as idéas preconizadas pelo “Imparcial” ao surgir à luz da publicidade sob a
orientação segura do preclaro jornalista Carlos Serpa Duarte, idéas essas que
fazem parte integrante do programa desse jornal, uma existe que a meu ver
precisa e deve ser discutida, agitada e focalizada entre os competentes na matéria
e os interessados em geral, para que a mesma se corporifique, tornando-se, um
dia, concreta e real;
refiro-me à Estrada
do Taboado.
Já
em 1901 o inclito brasileiro Euclydes da Cunha, em “Contrastes e Confrontos”,
numa antevisão do progresso maravilhoso que viria implantar-se nesta
predestinada e fecunda faixa do território pátrio, entremostrou, em páginas
luminares, as vantagens decorrentes dessa Estrada, sugerindo proficientemente
as bases e directrizes da mesma que, partindo de Jaboticabal à margem direita
do Paraná, fronteira ao Porto do Taboado, mediante uma ponte de 880 metros
sobre o grande rio e dahi pelo Valle do Aporé ganharia o divortium aquarim do
amazonas e Paraguay, chegando até Cuyabá, quase o centro geométrico da América
do Sul. É fácil comprehender-se as várias e múltiplas vantagens que um
melhoramento desse vulto virá proporcionar não só ao nosso Estado como a todo
Brazil, pela deficiência actual de
communicações com o
centro e fronteiras
do paiz.
Sob
o ponto de vista estratégico essa Estrada será de importância inconteste e
inconfundível, porquanto, tanto nas luctas intestinas como nas prováveis
anormalidades das fronteiras, temos necessidades de comunicações rápidas, a fim
de se evitar surprezas de uma invasão extrangeira, como a que
levaram a effeito os paraguayos invadindo
todo o Estado Matto-grossence até as fronteiras paulistas. Nessa ocasião, si
possuíssemos uma estrada trafegável como a
do Taboado, a
lucta com aquela
nação não duraria
cerca de um
lustro.
Uma
estrada como a que nos referimos tornaria mais accessível e commoda uma viagem
de auto à Capital, viagem essa que actualmente tem o caracter de raid
arriscado, dados os impraticáveis trechos existentes em seu percurso. Tornaria
intenso o tráfego com os Estados centraes, augmentando assim o intercambio
commercial com a permuta recíproca dos seus productos e valores. Sabidos é de
todos que a producção bovina de Matto-Grosso, em sua maioria, é adquirida pelos
paulistas.
Agora
que as linhas aéreas se distendem até La Paz, passando por Três Lagoas, construída
que fosse essa Estrada a guiza de roteiro seguro, teríamos, dentro em pouco, os
nossos céus riscados pelos céleres pássaros metálicos, visto que essa Estrada
viria encurtar em muito os vôos para as planices andinas, tornando-se as
cidades, servidas pelo seu trajecto, prováveis pontos de atterisagem.
Toda
a população desta zona deve cerrar fileiras em torno dessa idéa que o Imparcial
em boa hora apresentou; todos os habitantes daqui devem se congregar a fim de
que uma representação fundamentada seja dirigida ao Congresso para que seja
dado prosseguimento ao projecto que dorme em seus annaes, tornando
realidade tangível o
grande sonho euclydiano
no raiar deste
século.
Tanaby, 21 de
agosto de 1930.
A Estrada do Taboado II
Quando os colonizadores portugueses, galgando a serra do Mar, atingiram o planalto piratiningano, o vasto território interior habitado por numerosas tribus indígenas era recortado de trilhas primitivas, algumas de considerável extensão, pondo essas tribus em contacto umas com as outras; serviam essas batidas para as calmarias da paz e os percalços da guerra. Haja vista as constantes referências dos nossos historiadores em trilha dos Guaranis, dos tupiniquins etc... Segundo Orville Derby, os bandeirantes, em suas entradas pelo sertão bruto, em busca do refulgente metal, das faiscantes pedrarias ou mesmo para descer peças, seguiam esses caminhos já existentes à guisa de seguros roteiros.
Esses
rudes desbravadores das selvas brasileiras, ávidos de ouro e de glória,
seguindo as pegadas do gentio, abriram caminhos, picadas, atalhos e rodeios,
estabeleceram pontos colonizadores, berços das cidades actuais, os lineamentos
da nacionalidade. “Sem o saber, estavam fazendo o Brasil”, na frase feliz do
mais erudito dos pesquisadores do nosso passado, Capistrano de Abreu.
Derrubaram o muro das Tordesilhas que passava rente a São Paulo e andaram pelas
cristas andinas a tomar posse, em nome dos reis de Portugal, desses
dilatados domínios que
hoje integram nossa
Pátria!
A
primeira bandeira que pisou as terras virgens de Mato Grosso foi a de Antonio
Pires de Campos. André Fernandes, Francisco Bueno e outros vão até o Paraguai e
o Peru. José de Campos Bicudo também e ainda Pedro Fernandes, Aleixo Leme. Mais
tarde, em 1719, Pascoal Moreira Cabral inicia a mineração dos terrenos auríferos
de Cuiabá.
É possível conjecturar que essas bandeiras, em suas arrojadas incursões pelo agreste sertão das províncias centrais, tivessem percorrido ou mesmo transposto trechos da jurisdição tanabiense, porquanto, embora preferissem algumas a via fluvial do Tietê, viajam outras por terra, a fim de conjurar o perigo das sezões e maleitas e a deficiência dos rudimentares batelões. Uma provisão do Conselho Ultramarino datada de 02 de agosto de 1748 fixa o rio Paraná limite das circunscrições de São Paulo e Mato Grosso.
Evolvem
os tempos e, no decorrer do século dezenove, o território dos dois Estados limítrofes
vai sendo pontilhado, aqui e acolá, de capelas e povoações.
Assim
é que, em 1838, o antigo arraial dos “Trinta Povos” é elevado à categoria de
Vila com o nome de Sant’Ana do Paranaíba, próximo ao rio que lhe empresta o
nome. João Bernadino de Seixas ergue, em 1852, o primeiro rancho de sapé,
origem da actual cidade de Rio Preto. A colônia Militar de Itapura contava, então,
cerca de 90 casas, fundada que foi por ocasião da campanha do Paraguai. D.
Pedro II aí esteve em pessoa para acompanhar de perto a marcha das operações
contra o
exército invasor.
Urge estabelecer meios de comunicações entre essas longínquas povoações. Cabe aqui, pois, recordar que no primeiro quartel do século passado foi aberta uma picada entre os rios Tietê e Mogi Guassú, desde a cidade da Constituição (Piracicaba) até o lugar propício à margem esquerda do Paraná —o Porto do Taboado.
Em
1835 foi aberta a nova estrada para São Paulo —a estrada do Piquiry, com mais
de cem léguas de Cuiabá ao rio Paraná. Aí encontraram os exploradores diversos
moradores emigrados de Minas, recentemente estabelecidos nesse dilatado espaço
de terra outrora ocupado pelas ordas dos Caiapós. Esses moradores, os irmãos “Garcia
Leal”, legaram seu nome à região que ficou então conhecida por “Sertão dos
Garcias”; entre eles destacam-se José Garcia Leal e Januário Garcia Leal, o “Corta
orelhas”.
Vejamos
como José Antonio Pimenta Bueno, ilustre presidente de Mato Grosso, relata o
estabelecimento do caminho do Piquiry, em relatório que a 1º de março de 1838
dirigia á Assembléia Provincial daquele Estado : “ A nova estrada entre esta e
a província de São Paulo recebe o não pequeno impulso; no extremo que toca a
esta Capital acha-se aberta na distância de mais de 40 léguas, paralela a
antiga vereda que é de nenhum prestar no tempo das águas, à esquerda della, por
cima da Serra até o Rio São Lourenço; lugar em que desce-a, e continua pelas
abas do mesmo, terreno alto, que oferece toda a facilidade desejada para o trânsito
de carros, superior a extensíssima inundação do Paraguai e seus afluentes.
Seguindo desta Capitania pelo engenho de Joaquim José de Sampaio, atravessa o São
Lourenço 10 ou 12 léguas acima da antiga passagem, corta o Piquiry já dividido
em 9 ramos; elle chega à vista do rio corrente perto do destacamento e aldeia
do Piquiry; resta abri-la, na distância de 15 léguas mais ou menos para
completar-se tão importante obra, cujo adiantamento, como informei ao Governo
Imperial, é devido ao infatigável zelo do Vice-Presidente desta Província,
Antonio José de Silva, cidadão que há postergado seus interesses particulares
sempre que chamado a curar
dos públicos interesses.
Do
Piquiry até o Parnaíba pode affirmar-se que está aberta definitivamente a
estrada, a exceptuar-se a factura de algumas pontes, e de uma barca, talvez já
fabricada no Paranaíba; trabalha todavia o Delegado do Governo José Pedro
Garcia por dar direcção recta a parte da estrada que de sua Fazenda vem ter ao
Jaurú. A estrada actual corre já muito por cima da que fora aberta por José
Martins de Carvalho, e o novo atalho ficará ainda superior. Junto ao Paranaíba
divide-se a estrada em dois ramos, um para a Província de Minas e outro que
seguirá para o de São Paulo; por aquella, em outubro próximo passado, entrou
pela primeira vez e chegou a esta cidade uma ponta de porcos e uma pequena
tropa de bestas carregadas; veio também quase na mesma ocasião um carro até o
Piquiry, lugar para onde seguirão outros, que actualmente já ahi estarão.
Quanto a outro ramo que deve dirigir-se à Província de São Paulo, atravessando
o Paraná e o sertão, que
mede até a Villa Araraquara, felizmente, Senhores, tenho de congratular-me convosco por achar-se vencida a maior, ou antes toda a difficultada, que até agora se havia opposto à abertura dessa porção, a mais importante da estrada. De uma das bandeiras que em Março do anno passado expedi para abrir a picada por esse rumo, até agora não tenho notícia; outra porém dirigida por José Pedro Garcia abriu-a desde o Paraná até a Villa de Araraquara como participou-me o Governo de São Paulo, officio de que vos transmitto cópia nº 6, e pelo qual ficareis intelligenciado de que aquelle governo faz acompanhar o dito Gracia de gente necessária para vir endireitando a picada, e abrindo a estrada...” (Limites Orientaes de Matto Grosso, João Barbosa de Faria —In Revista do Instituto Histórico de Mato Grosso, tomo VIII).
Esse
caminho aberto de Cuiabá a São Paulo, via Sant’Ana do Paranaíba ou dos Garcias
até São Bento de Araraquara atravessava o actual município de Tanabi; não
sabemos ao certo que direção tomava: rio Paraná abaixo rumo ao Salto do
Avanhandava pela antiga estrada que cortava o São José dos Dourados, passando
por Itapura? Em direção de Tanabi e Rio Preto com ponto de passagem por
Jaboticabal, tornando-se, assim, o esboço da actual estrada do Taboado, ou quiçá
percorria o vale do Turvo tangencial ao nosso município? Pela velha estrada da
fazenda “Barra Mansa”?
Deixemos,
porém, a solução deste tema à argúcia dos competentes.
Como
subsídio frisamos que em 1848 já existia a estrada ligando o Taboado ao
Avanhandava; essa estrada, actualmente reaberta por conta do Governo Estadual
liga, a região ribeirinha do Paraná à estação de Lussanvira, em a Noroeste,
passando pela cidade japonesa de Novo Oriente, e o Tietê através uma das mais
modernas pontes do interior.
De
indagação em indagação, conseguimos apurar que os primeiros habitantes deste
município (Tanabi) foram José Alves Ferreira e João Ramos da Costa, avoengos do
Sr. Joaquim Tito da Costa, aqui residente. Estes, acompanhados de suas famílias,
deixaram as plácidas montanhas de Minas e se internaram sertão a dentro com
suas mudanças transportadas em carros de bois, virando-os no local denominado
Viradouro (de onde a razão desse nome), aí estabelecendo suas posses e
moradias.
A
entrada desses nossos bandeirantes deu-se há cerca de cem anos, mais ou menos,
e o itinerário seguido bem pode ter sido um dos pródromos da via que nós
ocupamos.
Conforme notas por nós extraídas do bem elaborado trabalho do Cel. Adolfo Guimarães Corrêa —“Contribuição para a História de Rio Preto” —em julho de 1867 o Tenente Taunnay, mais tarde Visconde, para levar as partes oficiais do acampamento de Canudo, à esquerda do rio Aquidauans, para São Paulo, o caminho que teve para Araraquara depois de São Francisco de Sales foi, “por ensombrada e larga estrada em espessa mataria seguida quase sem interrupção umas boas 50 léguas”, passando pelo arraial de São José de Rio Preto, então deserto por causa do recrutamento.
Embora
transpondo o município de Tanabi parece-nos que o ilustre viajante não
percorreu a estrada do Taboado, dada a direção São Francisco —Rio Preto; deve,
no entanto, ter cruzado nosso sertão ainda que em suas raias lindeiras.
Vamos,
sem mais delongas, ao histórico dessa rodovia e, para isso, concedamos a
palavra ao Cel. Adolfo, antigo habitante de Rio Preto que assim se externa: “A
80 léguas de Uberaba, Sant’Ana do Paranaíba, em Mato Grosso, convencera-se da
vantagem de procurar comunicação por São Paulo, dado ser exacto que a via
Uberaba sempre representava um dia a mais de estrada de ferro até Santos. Os
homens bons dalli, a cuja frente puseram-se os senhores. Cel. Carlos de Castro,
Cap. José Maria e Padre Ferraz, votaram-se à patriótica empresa. E o que ella
foi já dissemos em certa occasião assim: “Em 1892, três cidadãos residentes em
Sant’Ana do Paranayba, o Cel. Carlos Ferreira de Castro, o Cap. José Maria e o
Padre Ferraz, vigário daquella villa, resolveram abrir uma estrada que do porto
do Taboado alcançasse o bairro do Viradouro, último ponto habitado ao
norte de
São José do
Rio Preto.
Depois
de algumas tentativas penosas e infructíferas para atravessar as 20 léguas de
terras devolutas no rumo determinado, decidiram descer o Paraná, entrar no rio
São José, subi-lo até onde fosse possível a sua navegação e depois procurar por
terra o Viradouro. Na exploração fluvial do São José, encontraram os restos da
ponte de Januário Garcia e os esteios da casa onde morou um ferreiro criminoso,
de Pitangueiras, que lá fora homisiar-se, trabalhando para o povo de Sant’Ana
no fabrico de ferros para marcar, como o atestam as innúmeras marcas a fogo nos
esteios que ainda lá existem. Depois de muitos dias de não fácil navegação, os
exploradores notaram numa prainha da margem direita uma lata de sardinha vazia
e rasto de
gente.
Observando
que a lata conservava ainda sua unctuosidade e que o rasto era recente,
convenceram-se de que por alli deviam ter passado pescadores.
Reparando
melhor, reconheceram traços de golpes de facão na capoeira circunstante até que
foram dar à casa do velho João Costa, morador do ribeirão São João. É escusado
dizer como os moradores de Viradouro festejaram os destemidos exploradores e
como, desde logo, determinaran-se à abertura da estrada por meio de signaes, de
fumaças. Organizada uma numerosa turma de foiceiros e machadeiros, foi logo
encetado o trabalho; a travessia foi longa e penosa; muitas picadas foram
abandonadas por saírem em varjões intransitáveis; outras custaram trabalhos
insanos para atravessar tabocaes e cipoaes emaranhados; as provisões foram
escasseiando e os últimos dias a gente alimentava-se exclusivamente de café e
rapadura. O velho Padre Ferraz chegou quase desfalecido ao porto do Taboado,
sustentado pelo Cap. José Maria com um último pedaço de rapadura que tinha guardado
na capanga.
Essa estrada, aberta a expensas dos três beneméritos Santannenses, foi de grande utilidade à Comissão Hummel, quando ali chegou com os estudos da Estrada do Taboado e complemento desta”. Os engenheiros dirigidos por Hummel traçaram a “Boiadeira” no governo do Dr. Américo Brasiliense. Esta permitiu os primeiros transportes, pelas vertentes dos grandes rios, do gado de Mato Grosso a São Paulo (J. C. Fairbanks).
Entre
os membros da citada comissão destaca-se a figura saliente de Ugolino Ugolini,
que tão gratas recordações deixou nesta cidade, tendo plantado na actual rua 7
de setembro, próximo ao largo da Matriz Velha, hoje Praça 24 de Outubro, uma
fila de esbeltos coqueiros dos quais ainda restam três exemplares.
Em
1897, respondendo circular datada de 14 de abril daquele ano, dirigiu a Câmara
Municipal de Rio Preto ao Governo de São Paulo veemente apelo no sentido de
serem restabelecidas as vias de comunicação do Porto Tabuado, do Avanhandava e
do Itapura, porque: “não eram somente vias de interesse municipal, mas artérias
principalíssimas da grande viação do Estado, que mais de servir ao município,
servem os interesses de São Paulo, para não dizer os interesses da Nação. As
duas linhas do Porto do Taboado e do Itapura são as linhas naturais, pelas relações
commerciaes entre Cuiabá e o Atlântico, e Santos é o porto natural do Estado de
Mato Grosso. Mas além dessa prerrogativa, ellas têm também uma importância
eminentemente estratégica, não desprezível: porque permitiria em qualquer
momento a concentração de um corpo do exército no Estado de Mato Grosso, fóra
da fiscalização das Repúblicas Platinas”. Esse documento, linhas adiante
encarece a importância dessa estrada para o transporte de gado, “O gado que de
Sant’Ana do Paraíba se dirige aos mercados de São Paulo, via Barretos, ou de
Uberaba, tem duas despesas de imposto e de passagem: uma no rio Paranaíba e
outra no Rio Grande. Tem de percorrer 80 léguas para chegar a Barretos. Pelo
porto do Taboado tem somente uma passagem, a do rio Paraná, um só imposto e uma
distância de 36 léguas até Rio Preto (actualmente) mas reduzíveis a 26 quando
fosse aberto todo o traçado. Agora juntando as 26 léguas às 20 para Barretos,
teremos um total de 46 léguas, então um percurso de 20 léguas a menos pela
linha de Rio Preto. Além disso, (insistia o documento) as estradas de Itapura e
do Taboado têm uma outra circunstância a seu favor, merecedora de especial
consideração —a de ligarem-se com as velhas estradas de Campo Grande, Vaccaria
e Miranda, de Coxim, Cuiabá, Poconé e São Luiz de Cáceres, de Sant’Ana e Jatahy
de Goiaz”. (Obra
citada).
Euclydes da Cunha, à porta da cabana de pau-a-pique em que se abrigara, à margem do Turvo, na estrada do Taboado para Barretos, naquele trecho torturante conforme palavras suas —sonhara uma estrada de rodagem digna de tal nome para o Mato Grosso, seguindo o traçado civilizador de Pimenta Bueno, autor igualmente do projecto ferroviário para Cuiabá, passando em Porto do Taboado.
Isso em 1901, nos primeiros albôres do século XX.
Daí
para cá avoluma-se o trânsito de boiadas pela velha estrada: a Boiadeira, não
obstante a construção da Noroeste; mais ou menos em 1922, Feliciano Sales Cunha
aproveita o eixo dessa linha e estende até Sant’Ana do Paranaíba o âmbito de
seu empreendimento, fazendo correr até lá as jardineiras da Cia. Transportes.
Infelizmente, pela distância a percorrer e outros factores contrários, deixou
de funcionar anos
após.
Ainda
em 1928, o notável sertanista patrício General Rondon, dirigindo-se à delimitação
das fronteiras da região noroeste e Alto Amazonas, desceu de Tanabi pela
Estrada do Taboado. Nesse tempo, derrota com essa ainda era possível;
ultimamente, porém, somente carros de bois, cavaleiros e boiadas conseguem a
muito custo vencer as mil e uma dificuldades naturais que aparecem em seu
percurso em lamentável abandono. Há, no entanto, rumores vagos de que o Governo
Paulista pretende reabri-la de Tanabi ao Porto do Taboado, articulando-se
ao sistema rodoviário
de São Paulo.
Determinado,
embora impropriamente por carência de dados mais positivos, o histórico da
Estrada do Taboado, eixo da grande exploração pastoral da região e que carreia
o gado dos mercados bovinos de Mato Grosso para os domínios de engorda de
Barretos, passemos agora a particularizar-lhe os característicos que a definem,
a função que exerce, tudo, enfim, que se relacione à mesma estrada em sua
projecção diagonal sobre nosso município (Tanabi).
Nesse
longo trajecto de quase duzentos quilômetros de extensão, a “Boiadeira”
desenvolve-se sempre pelo imenso vale do São José dos Dourados, cujo vale cobre
uma superfície de oito e meio quilômetros quadrados. Tem o São José cerca de
300 quilômetros de curso e desemboca no Paraná com 55 metros de largura, aos 20º
10’ Latitude Sul e 8º 10’ 45’ Longitude Oeste do Rio de janeiro —dados colhidos
no Relatório Geográfico da Comarca de Rio Preto, bem feito trabalho do
Eng. Eduardo Campos.
Rio
genuinamente paulista recebe o São José cerca de cinqüenta afluentes, entre
pequenos e grandes, somente em sua margem esquerda e território tanabiense; de
Porto Taboado a Tanabi a estrada atravessa numerosos cursos de água, dentre os
quais citamos: mais de uma dezena de tributários do ribeirão Ponte Pensa que,
que por sua vez conflui no Paraná a pequena distância do Porto; o ribeirão do Maribondo e seu braço; o
Pimenta; os córregos do Ranchão, da Lingüiça, do Jagóra, de São Pedro, de São
João, do Buriti, do Santo Antônio (onde se encontra a sede do distrito policial
de Piassava, decadente capela com algumas casinhas em ruínas); o córrego do
Espraiado, da Cachoeira Feias, em cuja proximidade se encontra a outrora próspera
e hoje arruinada povoação de Vila Carvalho, também sede de distrito policial; o
córrego da Soledade, o do Juvêncio, o da Prata, o de Antônio Fachina, o da
Cachoeira, o da vertente Comprida, o do Açôita Cavalo, o do Carrilho, o da
Fortaleza e, finalmente, o Jataí que banha a cidade de
Tanabi; desta às divisas do distrito de Bálsamo cruza o Bacuri, o Sapo, o Sapinho, o córrego das Perobas etc...
No
intervalo dos ribeirões aqui mencionados, outros existem de menor importância e
cuja nomenclatura ainda
não está fixada.
Seguindo
a mesma ordem, enumeremos as grandes fazendas que a estrada serve, neste município:
“Ponte-Pensa”, vasto latifúndio inculto; “Maribondo”, “Ranchão”, “Jagóra”, “São
Pedro”, São João”, “Buriti”, “Santo Antônio do Viradouro, ou Espraiado”, “Prata”,
“Carrilho”, “Fortaleza”, “Jataí” e “Perobas”.
Para
dar uma pálida idéia da extensão dessas grandes propriedades rurais, bastante é
citar que só a “Ponte Pensa” tem a superfície de 208 a 330.000 alqueires de
terras, medida paulista de 24.200 metros quadrados: Um mundo aberto sem
porteira na frase expressiva do matuto, um mundo a povoar-se, maior do que
certos países europeus! Releva notar que aí predominam as boas terras de
cultura, revestidas de espessa mataria; nas demais fazendas, quase todas de
bons terrenos, embora entremeados de manchas cobertas de campos e cerrados ou
catanduvas, prestam-se à instalação de grandes invernadas, que, aliás,
sucedem-se ininterruptamente em
todo o território
municipal pela estrada.
As
referidas manchas são constituídas, a nosso ver, de massapé branco, argila
pobre em ferro, produzindo gramíneas e ciperáceas, palmeiras raquíticas, como o
tucum, o indaiá e outras; aí encontram-se o gravatá, o araticum, o pau de
bodoque, a quina do campo, o vinhático, o pau terra, o ipê roxo e amarelo e
outras árvores componentes do cerrado, ao passo que as terras de boa qualidade
ostentam a lixa, a sucupira ou faveiro, a figueira, a embaúba, a taquara, a
taboca, a pintaiva, o capixinguí, o guatambu, a herva de anta, o jatobá, o
jequitibá, a peroba, o cedro, a aroeira,
o angico etc...
Flora
essa constituída pela decomposição das camadas de gres e lençoes de diábase.
Nas
cercanias da cidade desenvolve-se a policultura café, cereais, algodão —o
regime da pequena propriedade, em suma; trinta quilômetros adiante, prepondera
a média, isto é, fazendolas de cem e mais alqueires, quase todas dedicadas à
criação de gado e, num raio de dez léguas além, impera o latifúndio, grandes
tractos de terra à espera do humano contacto, ainda que, também aqui se
desenvolvam importantes invernadas
de criação e
engorda.
Em
geral, o habitante da zona de influência dessa estrada é essencialmente
pastoril, vivendo de renda derivada de compra e venda de gado bovino e
aluguel de pastos
etc...
Excepção
de pequena faixa de alguns quilômetros ao redor de Tanabi; por isso, limita-se
a cultivar terrenos somente para o gasto; anos após a derrubada do mato já tem
o capim formado, geralmente o jaraguá e, em alguns casos, o gordurinha roxo ou
cabeça de negro; em algumas fazendas o proprietário dá terra de graça ao “agregado”
em troca da formação do capim.
Na mesopotâmia dos rios lindeiros o gênero de vida é sensivelmente baixo; ausência de conforto nas habitações, genericamente ranchos; endemias, pobreza por falta de trabalho organizado, eis que o morador dessas paragens, por falta de estímulo pela distância dos centros civilizados, entrega-se à caça e á pesca, abundantes nessas paragens.
À
margem da “Boiadeira” pontilham, de quando em quando, a espaços que medeiam uma
jornada diária, os pousos e ranchos de beira de estrada. Semelham esses ranchos
aos que bordejavam velhos caminhos de burros do impropriamente chamado “Norte
de São Paulo”, no vale paraibano e a estrada francana, onde “as tropas ias
deixando cair, em cada pouso, um pouco de riqueza”, (observação de Foquete
Pinto). Esses abrigos de pousada constituíam, naqueles tempos de antanho,
quando o automóvel era ainda um mito, pontos de reunião, movimentados e cheios
de vida, constantemente bafejados pelas tropas e boiadas vindas do interior e
que se destinavam ao litoral. Como aqueles, os ranchos da Boiadeira animam-se à
passagem das grandes boiadas procedentes do centro brasileiro; destinam-se à
pousada dos peões, capatazes e boiadeiros, de encostos, consoante a gíria
matogrossence, enquanto a manada pernoita no mangueiro ou pastinho de aluguel.
Estas construções rústicas erguem-se contíguas a qualquer nascente (“gosguinho”),
à jusante da “fazenda” ou “casa-grande”, residência do proprietário, e são
constituídas, a mais das vezes, de singelos telheiros suspensos sobre quatro
esteios de aroeira, cercados de pau-a-pique, ou, mesmo livres. Uns assoalhados
e outros de chão somente e todos de um só aposento, nem sempre cômodo. Afora a
locação diurna do pouso, fornece o fazendeiro a peões e boiadeiros aguardente,
açúcar, sal e outros gêneros de primeira necessidade, gêneros esses que tem em
suas casas, destinados a suprir as faltas dos itinerantes.
Uma
vez que estamos a fazer trabalho de folclorista, não será, talvez, descabido
registrar a existência, quer nos telheiros de pouso e habitações, quer nas
pastagens e quissáça, de carrapatos, piolhos, percevejos e outros perigosos
parasitas a flagelar, impiedosos, os moradores, rancheiros e viajantes;
transmitem-se conduzidos pelas bruácas das comitivas em suas viagens de penetração
ao Mato Grosso e em torna-viagem, num verdadeiro círculo vicioso. É usual a
queima dos pastos, no
inverno, com o
intuito de debelar
os temíveis carraças.
Bordejando
as escarpas do acidentado carreiro, encontram-se amiúde cruzes tôscas de
madeira, consumidas pela traça temporal que tudo corróe, a rememorar acidentes
imprevistos, tragédias nascidas de reencontros fatais ou, mesmo, premeditadas,
horripilantes tocaias. Costuma a piedade popular recobrir o símbolo de fé de
flores naturais e a crendice sertaneja aí deposita rosários, bentinhos, figuras
de cera e até vestes usadas, cumprindo religiosamente um voto formulado...
Quantas vezes, à roda desses cruzeiros em que outros enterramentos são feitos, sem mais formalidades, vê-se o chão revolvido e perfurado pelas garras profanas do necrófago tatu!...
O
povoador anônimo do sertão é o caboclo, esse caboclo que é o autor de “Os Sertões” fez a apoteose em páginas
imortais e na região da Boiadeira os moradores são quase todos nacionais. Um núcleo
autêntico de sã nacionalidade! Povoamento disperso e isolado, onde a paisagem
sofreu ligeira modificação pela diminuta
influência do trabalho
humano.
Estamos,
porém, na Araraquarense, a “zona pioneira do Estado”, conforme a classifica
Pierre Deffontaines —franja geográfica de rápido progresso, onde tudo cambia
constantemente e para melhor. Indispensável se torna, pois, a reconstrução
dessa estrada que a violência das chuvas, a força da vegetação e tantos outros
factores dissolventes fizeram quase desaparecer, a fim de que o nosso “hinterland”
possa acompanhar, a par e passo, o surto progressivo de São Paulo.
Força
é convir que, “Toda a vida dos povos gravita em torno das grandes estradas”
(Edmond Desmolins —Coment La route crée Le type de La Civilisations, citação de
Baptista Pereira) e que na obra de colonização do nosso interior sertanejo não
há agente mais poderoso e eficiente que o pastoreio. Ele é a vanguarda da nossa
expansão agrícola. O curral precede a fazenda e o engenho. Depois do vaqueiro é
que veio o lavrador; o gado preludia o canavial e a plantação cerealífera
(Oliveira Viana). Essa rodovia, carretera, como dizem nossos vizinhos, os
argentinos, - sinal concreto das relações entre os agrupamentos civilizados de
São Paulo e dos Estados limítrofes —Minas, Goiás e Mato Grosso, reconstruída,
apropriada ao tráfego de automóveis, tornar-se-á eminentemente estratégica e
fará o conúbio das populações sertanejas que aí vegetam com o elemento
citadinho; desse intercâmbio mútuo e indústria, em todos os ramos de suas múltiplas
actividades.
Para
remate final das apagadas considerações por nós feitas em e sobre a tradicional
Estrada do Taboado, amenizemos a impressão do leitor com esta delicada “Symphonia”
do mavioso poeta tanabiense —João de Mello Macedo, nome que é
para nós um símbolo!
Na hora religiosa do cair da tarde,em que tudo tem ressonâncias profundas;nessa hora espiritual de serena tristeza,em que as vózes humanas se confundemcom as vózes da própria natureza,quedo-me a olhar:descendo ao longo da estrada boiadeira,entre nuvens doiradas de poeira,a ondulante e morosa procissãodas boiadas que chegam do sertão...... e a ouvir:o gemido entrecortado dos berrantes,que os ponteios modulam,à dianteira do gado...e o abôio dolente e prolongado dos peões,musicalizando a marcha somnolenta dos bois.Há nessa harmonia barba e errante,a perder-se nos longes da quissaça,como que a angústia sexuada e forte da minha raça!Na monotonia desses sons morrentes espelhan-se as vastidões desoladasdas campanhas ensolaradas,onde seriemas pernaltas estridulamescaladas smorzantes de pipilos...E vém bailar, no rythmo disperso dessa música,que o anoitecer torna mais lyrika,a saudade das polkas paraguayas,dansadas ruidosamente de esporas nos baculêrês de Campo-Grande...e a lembrança da terna cuyabana,flor agreste de amor e de carinho,que ficou, lá para trás, à porta da choupana,numa curva distante do caminho...
Tanabi, 20 de dezembro de 1936.* O poema
citado acima está inserido no livro “Arribada” deautoria de João de Mello
Macedo, lançado no ano de 1935.* Artigo publicado na imprensa local “O Município”,
de 1º de Janeiro de 1937, e na Revista do Arquivo Municipal —nº 31, de São
Paulo.
Estrada do Taboado III
É
com maior júbilo que destas colunas fazemos eco às palavras sensatas e
momentosas pelo simpático matutino “A Notícia”, de Rio Preto, subordinadas ao título:
“A velha e tradicional estrada do Taboado está em completo abandono” e em cujo
trabalho o articulista borda comentários seguros acerca do papel de relevo que
essa estrada representa para a economia da região e criteriosamente sugere a
necessidade urgente de
sua imediata restauração.
Fazendo
coro a essas oportunas palavras, aqui estamos, não só para apreciá-las, como,
também, juntar mais algumas razões que reputamos convincentes à concretização
desse alvitre. Para todos os habitantes da região sempre foi motivo
desalentador saber que essa artéria de vital importância acha-se, de há longo
tempo, votada a imerecido abandono, a ponto de encontrar-se hoje totalmente
impraticável, coberta de imenso matagal e toda ela sulcada de precipícios
intransponíveis pelo mais cavaleiro e ainda para o bovino habituado às penosas
travessias dos campos naturais de seu Habitat mato-grossense. No entanto, há
pouco mais de um decênio, por ela trafegavam comodamente intermináveis manadas
e até autos e jardineiras num comércio regular inter estadual.
Vem
aqui a pelo recordar que sua obstrução trouxe, como conseqüência, o desvio da
caudal bovina, a partir de Porto Presidente Vargas para, atravessando o Tietê,
em Avanhandava, atingir Rio Preto após uma inflexão desnecessária de centenas
de quilômetros com grave prejuízo aos munícipes servidos pela velha Boiadeira.
Sabido é que atravessada por essa rodovia —que nada lembra tão lindo vocábulo —é
toda composta de terrenos adatados maravilhosamente ao desenvolvimento
intensivo da indústria agro pecuária, havendo, em todo esse percurso, uma série
infindável de fazendas e campos de criação; em suas margens desenvolveu-se, por
assim dizer, uma civilização do gado, constituída de retiros e potreiros,
piquetes e invernadas, mangueiros, pontos e ranchos de pouso; em suma: todas as
instalações imprescindíveis ao serviço de transporte e invernia do gado
proveniente do centro leste brasileiro. Nesse imenso trato de terras quase não
se avistam culturas permanentes de café, algodão e cereais que não sejam os
indispensáveis à manutenção de seus
habitantes os quais têm, no gado, o leit-motiv de sua existência vegetariana.
Abandonar, pois, essa imensa pista de gado, como a chamou, aliás com
propriedade, Pierre Deffontaines, é condenar ao retrocesso e à estagnação um
povo laborioso que se devota a esse gênero de vida partindo do peão até o
grande invernista: é provocar o lento deperecimento de todo um vasto material
de cultura aí pacientemente armazenado há quase um século.
Tanabi,
18 de setembro de 1941.
“EXPRESSÕES DO POPULÁRIO
SERTANEJO”
Jantar realizado no
Tanaby Hotel, ocasião em que Sebastião AlmeidaOliveira lança o livro “EXPRESSÕES
DO POPULÁRIO SERTANEJO”.
Tanaby Hotel, década de 40.
Ofertando o jantar em nome
dos amigos e admiradores e no seu próprio, fala:
Autor do livro “Arribada”.
Gentis Senhorinhas.
Meus Senhores.
Meu caro Sebastião.
Aceitei, sem maiores
tergiversações, a honrosa incumbência de oferecer-lhe este jantar. De que
valeriam protestos, quiçá, de falsa modéstia? De que valeria patentear aos
olhos de todos estes amigos a existência, entre eles próprios, de pessoas
capazes de substituir-me, com galhardia e brilho, no desempenho desta amável entrepreza?
Os gestos de uma recusa, eu nem cheguei sequer, neste caso, a esboçá-los. Senti de meu dever aceitar a glória e a responsabilidade deste oferecimento, sem recuos e sem hesitações. Do contrário, meu caro Sebastião, eu mentiria a amizade, que sempre nos uniu, e as afinidades, que sempre nos aproximaram. Por isso, aqui estou eu, sem atender a razões outras que não aquelas de ordem íntima e sentimental, na desobriga deste mandato, que me honra a mim e aos amigos seus, que me o delegaram, porque, através dele, se reverenciam as coisas altas e superiores do espírito.
Este jantar, você bem o
sabe, é apenas um pretexto. Com ele, queremos tão somente homenagear o jovem
autor do “EXPRESSÕES DO POPULÁRIO SERTANEJO”, pelo muito que esse livro encerra
de tanabiense e pelo muito de brasilidade, que ele nos ensina. E para este
jantar, que é uma pura manducação nacionalista,
só nos acudiu
um recurso: chamá-lo
íntimo.
Bem avisados andávamos,
assim procedendo. Pela projeção do seu nome nesta cidade, no município e em
toda a região, déssemos a esta homenagem um caráter mais coletivo e teríamos de
estender mesas ao ar livre para comportar a multidão de seus partícipes. Dess’arte,
ficou ela assim circunscrita a um número menor de homenageantes, nada perdendo,
contudo, na intensidade do afeto e do carinho, que se devotam ao homenageado. E
tivemos, para isso, de recuar para um segundo plano, segundo, no espaço e não
no tempo, esse conjunto de qualidades, que fazem de você uma individualidade
singular. Singular pelo equilíbrio das atitudes, que harmonizam, numa só linha
de retidão e de serenidades, a sua vida particular e
a sua vida pública.
O homem do lar, em você,
continua no profissional, probo e impecável, e se prolonga no cidadão, que ama
a sua civitas com o amor firme e constante de todas as horas. Mas, esse
conjunto de qualidades, estruturando a bela tradição de honorabilidade e a
competência técnica do tabelião, ficou, agora, recuado para um plano secundário.
Sem nos prescindirmos dele,
será, quando muito, moldura ornamental para o “leit motiv” desta cordialíssima
reunião, que desse modo se reveste de um cunho acentuadamente intelectual.
EXPRESSÕES DO POPULÁRIO SERTANEJO é
que nos congrega
em torno desta
mesa.
SEBASTIÃO:
O valor do seu livro, para nós,
é inestimável. Merecidamente consagrado pela crítica, que o situou de maneira
destacada no cenário da nossa cultura, ele possui, no entanto, para nós outros,
uma significação a mais. É que esse volume, em que você catalogou vocábulos e
superstições regionais, será sempre, para nós, um relicário, a edícula do seu
amor à terra e à gente de Tanabi.
Entre as qualidades que se exigem para um “folclorista”, uma delas há que eu tive a felicidade de ver especificadamente referida por um dos mestres dessa ciência, hoje autônoma e de limites definidos dentro da antroposociologia. Essa qualidade é simplesmente aquela sem a qual nada se constrói de duradouro: “Saber amar, com uma fonte perene de afeição, capaz de cobrir, numa onda envolvente de ternura, todos os seres e todas as coisas”.
É Van Gennep quem afirma “ser,
por certo, mais difícil recolher materiais folclóricos do que organizar um herbário,
ou uma coleção mineralógica, pois, para o primeiro caso, além do amor à ciência,
é necessário também que se ame a vida rural, ajuntando-se ao trabalho científico
aquela simpatia, aquela “humanidade, como se dizia no século dezoito, que
suprime as barreiras sociais e intelectuais”. E a você, todos podemos atestar,
jamais faltou o concurso de tão precioso dom. Perfeitamente integrado em nosso
meio, amando o gênero de estudos a que se dedica e amando a vida e a gente
simples do sertão, com a qual convive no labor diário do seu mister, fácil foi
a você apreender-lhe as peculiaridades da linguagem e o pitoresco das suas
lendas e superstições. Exercendo junto a ela o ministério da sua bondade, você
realizou integralmente o tipo do observador pedido por Saintyves, que é aquele,
que, quando não haja nascido na região, que pretende estudar, deve,
pelo menos, ter
sido adotado por
ela.
E você, além de ser, pelo
nascimento, um homem da alta araraquarense, ainda é mais, pela cidadania, que
os próprios tanabienses lhe impõem, um cidadão de Tanabi. Eis porque, ao mesmo
tempo em que árdua, tem sido suave a sua tarefa. Tarefa de recolher todo esse
material, que, selecionado e depurado no crisol de sua análise, veio constituir
o seu livro de estréia, que é bem uma condensação da humanidade e da vida do
nosso rincão sertanejo. E apraz-nos aqueles “ricercatori locali”, de que nos
fala Giuseppe Cocchiara, aos quais, faltando conhecimentos suficientes para
fazerem obra científica, se deixam cair no puro diletantismo literário. É que
você opôs as deficiências do meio ao insulamento de sua vontade, a falta de
emulação e de estímulo, a força inquebrantável da sua vocação. É que você
contrapôs a ausência de professores, aberto pela sua inteligência, o horizonte
ilimitado do seu auto-didatismo. Tornou-se, assim, a sua vida uma formosa lição
de firmeza de vontade e de fidelidade ao ideal, digna de figurar entre as páginas
de Smiles.
E essa inesgotável ânsia de
conhecimento, que em tempo algum o abandonou, é que lhe põe, agora, nas mãos, a
palma de todas as suas conquistas intelectuais.
Transferindo de Ribeirão Claro para Tanabi e aqui se
dedicando a uma ocupação absorvente, qual seja a do seu movimentado cartório,
nunca, entretanto, lhe faltaram lazeres para o trato das boas letras. E,
seguindo uma tendência natural do seu espírito, eis que você descobre o veio
inexaurível da nossa demopsicologia.
Perquirindo-a, você vem satisfazendo as características fundamentais da sua índole literária. Entre elas, proeminentes, o seu respeito e o seu desvelo por esse claro idioma, que, no dizer do poeta, vem
Que o vento imprime às palmas das palmeiras,
Do bramido do mar e das cachoeiras,
Da voz que impreca à voz que balbucia,
Do sol que canta quando nasce o dia,
Do luar que chora sobre as cordilheiras...
Idioma dúctil e vivo, que
cada dia se enriquece de novas expressões, como muitas destas catalogadas por
você e que assim se incorporam ao patrimônio comum da nossa língua. E,
substratando esse respeito pela língua geral, o seu carinho e o seu entusiasmo
por tudo quanto é tanabiense e que é paulista e, finalmente, o seu amor por
tudo o que é genuinamente brasileiro. E melhor forma de nacionalismo do que o
estudo do nosso folclore você não poderia preferir para as superiores manifestações
do seu talento.
Referindo-se ao apreço, que nos deve merecer esse gênero
de pesquisas, asseverava Basílio de Magalhães, em cuja notável obra “O Folclore
no Brasil” você já se encontra honrosamente citado, que “a carinhos rebusca
dessas formas de atividade mental e o constante contato com o nosso povo é que
nos possibilitarão conhecê-lo melhor e amá-lo mais sinceramente,
habilitando-nos, assim, a que também mais eficientemente cooperemos, com ele,
por ele e para ele, no robustecimento do caráter nacional e na exaltação sinérgica
da alma nacional”!
Não vai, porém, nesse nacionalismo e nem vai ao
regionalismo, que a própria metodologia da ciência folclórica requer, a vesga
limitação de localismos estreitos. Mesmo porque o folclore é uma arte e é uma
ciência. “Ed é una scienza che parte dalle reggioni e abraccia il mondo”. E
porque ela se volta para os costumes e as tradições de um povo, devemos
congratular-nos, porque temos a ventura de contar em nosso meio com um
intelectual capaz de se interessar por esse magno assunto.
Zona nova, quase que sem história, aberta aos quatro
ventos da imigração, recebendo as mais exóticas influências, é preciso mesmo
que alguém vá cuidando de preservar o que possuímos de tipicamente brasileiro,
para que se não perca a nossa
fisionomia dentro da
grande pátria.
Desse modo, meu caro Sebastião, com o “EXPRESSÕES DO
POPULÁRIO SERTANEJO”, você se inscreve entre os obreiros, que nos levam ao
verdadeiro conhecimento dessa hoje tão falada “realidade brasileira”, expressão
para muitos vazia de sentido, fórmula mágica a redoirar arengas de tantos
patrioteiros vulgares.
Por isso, aqui estamos, os seus amigos de Tanabi, para trazer-lhe o nosso aplauso pela publicação desse livro, cujo valor avulta aos nossos olhos, pelas qualidades incomuns de quem o concebeu. O calor desse aplauso está simbolicamente contido na cordialidade deste jantar votivo, que eu tenho o prazer e a honra de oferecer a você, em nome de todos os que aqui se amesendam, por si, ou como delegados dos que não puderam comparecer. E para oferta-lhe esta homenagem, numa festa que é a festa do espírito, mas que é, também, a festa do coração, eu o faço certo de que nos anima, a todos nós, só pensamento e um só desejo: é que você continue voltado para a recolta e o estudo de todas as tradições e de todas as manifestações da sabedoria popular em nossa região; é que você prossiga recolhendo, na bateia do seu garimpo, as grupiaras dessa filologia bárbara, que é a linguagem saborosa e virgem do nosso caboclo, com o que você terá opulentado a nossa e a mesma língua “em que Camões chorou, no exílio amargo, o gênio sem ventura e o amor sem brilho”.
Assim, tê-lo-emos sempre ao nosso lado, para nosso
contentamento e nosso orgulho. Orgulho, sim, porque, no cultivo das letras,
acicatado pela sua ânsia de perfeição, você há de subir ainda mais alto, na
exaltação de seu próprio nome e na
glorificação de nossa
terra TANABI!
Com esses votos, formulados em nome de todos os presentes, é que eu quero erguer a minha taça, para beber a sua saúde. Disse.
do livro “Expressões do Populário
Sertanejo”, em encadernação
especial) em nome de todos os
convivas, fala:
Pascoal Albanese —Contador
Meu caro Sebastião:
Nessa maravilhosa e primeira Epístola de São Paulo
aos Coríntios, deparamos, no versículo sétimo do capítulo décimo, esta
significativa expressão: “Sentou-se o povo a comer e a beber e levantou-se para
se divertir e dançar”. Com isto, o eminente Apóstolo dos Gentios, profligava a
atitude dos idólatras da época, ao tempo que exortava os fiéis ao serviço de
Deus.
Certamente não estamos aqui para comer e beber e divertirmo-nos a seguir: nem, tampouco, estamos a serviço de Deus; e sim, sem dúvida e despidos de qualquer ostentação, reunidos em torno desta mesa, em alegre convívio, menos pelo prazer das iguarias que degustamos, mas pela magnífica oportunidade que se nos apresenta a fim de, congregados por vontade espontânea, rendermos um preito de sincera e justa admiração aos méritos e à inteligência que integram o caráter aprimorado de quem, por seu valor e dotes elevados, se impôs à consideração e estima pública.
Às brilhantes qualidades que fluem do teu acurado
trabalho diário no trato dessa complexa organização civil de códigos e leis,
justaste a de proficiente estudioso das coisas de nossa terra e de nossa
gente. Daí, a publicação dessa esplêndida
coletânea de vocábulos e frases a que, com muita propriedade, deste o título de “EXPRESSÕES DO
POPULÁRIO SERTANEJO”.
Este teu trabalho não enfeixa em si cogitações filosóficas;
não trata de problemas sociais ou religiosos; não é obra doutrinária ou de
letras clássicas. É trabalho de observações e confrontos; é obra de pesquisa e
de investigação; é reunião de elementos que demanda estudo e paciência através
de longos anos. E é nisto,
precisamente, que está
todo o seu
valor.
Contribuíste, de maneira eficiente, para o vocabulário
de termos brasílicos, e enriqueceste, de forma exuberante, o majestoso arcabouço
que se vem erguendo, desde
longe, na seara “folclórica” de
nossa pátria.
Que esta inestimável e preciosa contribuição não
padece sofismas, atesta-a o extraordinário acolhimento que a crítica do País
teceu sobre o teu valioso livro. Bem haja, pois, o teu esforço e a tua paciente
dedicação que só encontra, neste
terreno, paralelo com
o trabalho miticuloso
dos Beneditinos.
Este acontecimento, que enobrece e eleva ainda mais o
teu nome, não podia passar despercebido àqueles que prezam o teu valor e
admiram a tua capacidade de trabalho. Eis, aí, o porquê desta homenagem
espiritual que aqui nos agremiou, e, para que ela fique concretizada de uma
forma material, nós, os teus amigos e admiradores, resolvemos consubstanciá-la
no teu próprio livro, do qual extraímos um exemplar que mandamos confeccionar
em edição especial, e que se encontra encerrado neste escrínio que te
oferecemos com as nossas assinaturas como lembrança perene deste dia memorável.
Esta lembrança, modesta é verdade, mas profundamente sincera, simboliza: A jóia
do teu trabalho primoroso, envolta
pelo afeto e
admiração dos teus
amigos.
Agradecendo as homenagens
que recebera, fala o autor de “Expressões do Populário Sertanejo”:
______ * ______
Sebastião Almeida Oliveira
Oficial do Registro Civil e
Tabelião por lei.
Meus amigos:
Depois da palavra magnífica de Mello Macedo e dos bondosos Amigos Valentim Alves da Silva e Pascoal Albanese, melhor fora que a voz do causador involuntário desta esplêndida reunião não se fizesse ouvir, para que a beleza e o encanto intraduzíveis existentes na oração do poeta, que saudou o homenageado, e a eloqüência dos demais oradores, não se encontrassem, lado a lado, num símile desconcertante, com o descolorido e a insegurança do verbo daquele que, devido à sua própria natureza, se sente na incapacidade de alçar vôo, por mais rasteiro que seja, através os céus azulegos da verdadeira oratória. Vencendo, porém, a íntima resistência, por não possuir aquele sopro divino que anima o legítimo artista da palavra, levanto-me para abrir-vos mais uma vez, diante de vossa jamais desmentida generosidade, o meu coração de amigo e conterrâneo. A sinceridade e espontaneidade desta homenagem dão-me forças suficientes na realização deste sagrado dever perante vós.
Senhores:
Agradecendo-vos esta demonstração incomparável de vossa grande simpatia, que
vos reuniu hoje em torno do autor de “Expressões do Populário Sertanejo”,
quero, aproveitando esta feliz oportunidade, fazer a afirmação sincera e leal
de que, se algum mérito existe naquele trabalho, que é aliás fruto de alguns
anos de observação e estudo, o mérito cabe menos a mim do que a esse povo admirável
em cujo meio vivo há cerca de três lustros, o povo tanabiense! Meu papel outro
não foi que o do garimpeiro a buscar confiantemente na ganga informe do
linguajar matuto e nas expressões pitorescas da gíria o diamante certo e
inconfundível das belezas que a alma popular conservou intactas através de
todos os tempos. Sentindo, bem de perto, as manifestações de sabedoria e
acuidade que se irradiam mui naturalmente da língua sertaneja, esse “dizer chão,
pitoresco e ao mesmo tempo imaginoso dos que beberam o puro leite dos seios da
natureza” de que nos fala Camilo, divino plasmador de tipos imperecíveis,
inclinei-me para o trabalho paciente, mas proveitoso, de compilação e adaptação
de todas essas singularidades, de registro fiel de todas essas vozes peculiares
à nossa região, mas correntes, por assim dizer, em todos os quadrantes do
Brasil, com ligeiras alternativas de forma e de sentido; assim procedendo, eu
tinha a certeza de que estava contribuindo, ainda que escassamente, para uma
compreensão mais perfeita desta gente numerosa que a golpes de audácia e
denodo, traça o perfil geográfico e econômico da pátria e fixa a sua fisionomia
espiritual no concreto das nações jovens do continente. E, para esse povo, para
os obscuros construtores da língua e da literatura nacionais que eu solicito
seja adereçada vossa captivante homenagem.
Permiti, no entanto, meus amigos, que, em nome deles,
dos autores de meu livro, pronuncie eu mais algumas palavras desconchavadas, as
quais, se não tiverem a ventura de expressar qualquer novidade, atendendo-se a
sentença latina —nil novi sub sole —dirão, porém, e com muito calor, do sincero
desejo que me anima de corresponder, ainda que de longe, à confiança que vindes
de manifestar a respeito do futuro que está reservado às letras regionais, aos
estudos da terra e da gente.
Autodidata que sou, com todos os defeitos do autodidatismo, obscuro estudante e mero perquiridor em campo restrito, mas amigo da inteligência humana em todas as suas primorosas manifestações, venho, de longa data, empregando meus escassos recursos intelectuais no intento de realizar alguma coisa de útil para o desenvolvimento das letras locais. E toda a minha glória, a suprema ventura para mim, reside justamente na circunstância de verificar, hoje, que o meu esforço, apesar da insignificância da obra realizada, com o muito, o infinito do que está para ser feito, mereceu de todos vós atenção e prêmio que longe estive de imaginar. Sinto-me, assim, encorajado a levantar minha débil voz para solicitar de todos quantos desejam ver Tanabi, esta encantadora cidade que tem o condão de prender todos aqueles que a visitam, ocupar um posto de merecido destaque nas letras regionais, a intensificação de seus esforços a fim de que, em época não mui distante, nos seja possível apontar a existência, ao lado de “Arribada”; suculento pomo de sensibilidade e poesia, de obras tão valiosas quanto esta, indicadoras de nosso clímax literário. A tarefa exige de todos vós um esforço prolongado e ininterrupto, mas, este se justifica, pelo muito amor que dedicais a esta terra, pedaço abençoado do Brasil. A arraigada concepção de que as verdadeiras inteligências estão todas centralizadas nas grandes metrópoles tem exercido influência dispersiva sobre o ânimo daqueles que, no interior, ausentes das tertúlias acadêmicas, se dedicam às lides intelectivas, fazendo-os estar, constantemente, com as vistas voltadas para o que se faz nas capitais onde melhor ressoam as clarinadas da Fama! Se muito temos a aprender com os escritores de São Paulo e do Rio, estes, por sua vez, aqui deviam vir buscar a lição que o nosso povo lhes está oferecendo: a poesia, o romance e o conto que palpitam em sua alma. No entanto, eu desejaria assistir ao nascimento, entre nós, de vocações literárias e artísticas que fixassem todos os múltiplos aspectos da incorrupta alma sertaneja, tão rica de motivos originais e característicos, panda de belezas agrestes, mas sincera. Em “Riopretana”, revista que marca os lineamentos culturais do interior paulista, Tavares de Almeida, seu diretor, exprimiu a necessidade que temos de um romancista que, in loco estude as influências de nosso meio, a vida e os problemas sociais de nosso habitat, meltingpot de raças heterogêneas a ferver o caldo de nossa cultura. Colocando-me sob a égide dessa luminosa inteligência, ouso avançar mais, ir além, preconizando o evento de estudiosos que registrem com fidelidade os ciclos temáticos de nosso folclore, daquilo que constitui ou usos e costumes, lendas, contos e recontos do habitante desta faixa pioneira, na feliz classificação de Pierre Mombeig, e recolha e compare essas veneráveis tradições recebidas de além-mar, enriquecidas, porém, e enfloradas com a seiva impetuosa da exaltação tropical. Entre nós, ainda, há lugar para o sociólogo que saiba perquirir com amor e carinho os recessos da alma popular, o comportamento e atuação do homo rusticus a devassar florestas e a modificar paisagens.
Essa tarefa vós a podeis realizar, meus caros amigos e concidadãos, com os dotes de vosso talento e cultivo, com a capacidade de trabalho que, mais de uma vez, já destes provas. E da minha, desta tenda, onde dia e noite tenho sonhado lindos sonhos, eu poderia assistir orgulhoso á passagem gloriosa dos que triunfaram às letras regionais, essa coroa de louros, daqueles que edificaram para a posteridade o monumento para a qual as minhas forças foram limitadas e poucas!
Pela vossa homenagem, que eu sei vos saiu toda do
coração, o meu eterno agradecimento. A obra por mim realizada, por si mesma, não
justificaria tão excelsa prova de consideração. Recebo-a pela intenção que nela
palpita que é a de estimular os novos e, se assim me permitem, repetindo
Humberto de Campos, pelo único merecimento que tenho: o de haver partido de
mais longe e ter feito caminhada mais árdua que a de quantos palmilharam a
mesma estrada, para cantar, afinal, com
o poeta:
Que a minha terra amei e a minha gente!”
*
O jantar teve início às 20h00 e terminou às 23h00. E os amigos seguiram para
casa de Sebastião A. Oliveira e, lá, continuaram a declamar poesias.
Após o jantar, na residência
do homenageado; presentes os amigos que o acompanharam, lê
versos de sua
autoria:
Oscar Rufino
Funcionário Público.
Ao Sebastião, como
lembrança de amigo velho, aí vão uns “Pés Quebrados”.
Meus amigos, meus senhores,
Eu faço esta oração,Atendendo o “povaréu”,Com as forças do pulmão,Saudando o
homenageadoNosso amigo Sebastião.
Tanabi tem dado livrosE
todos livros “dos bão”.Mas, como teu, isso é “peta”,Ninguém rasga o “Expressão”!Pode
crer no que te digo,Meu caro Sebastião.
______ * ______
167
Eu fiquei “abestalhado”Já
por ser um bestalhão.Se você fosse “calçudo”,Não fazia um livro não.“Desguaritar”
dessa forma,Só mesmo o Sebastião.
Eu gostei e não é “puia”.Eu
não faço “encrenca” não,Vestir a minha “fatiota”Pra vir dizer “palavrão”,Com a
parte de “gabola”,Isso não seu Sebastião.
Teu livro está de “encantar”.Prende
da gente a atenção,É um livro de verdadeMerece o teu “Jamelão”.Não é livro de “leréia”,Meus
parabéns, Sebastião.
Você não fique “macambúzio”Com
a minha saudação;O teu livro está na “ponta”,Não há nele confusãoNem “nhem-nhem-nhem”
idiota,Acredite, Sebastião.
“ Os anjos digam amém”,“depois
da minha oração”“que recai só em vocꔓcom a nossa gratidão”“panduio cheio”, já
sabe:“dar o fora”, Sebastião...
Esta “querência” é boaE é festa sem “rojão”;O pessoal não é “sapeca”E não tem nenhum “tição”Nem “tapados” que não vejamTeu esforço, Sebastião!
O “urutáo” já está cantando,Alegrando o coração,E eu vou “passar a vara”A um “xará” de expressãoQue não “zangue” como euPra te saudar, Sebastião.
Finalizo estas palavras,
Pedindo a todos perdão.E se não me entenderam,Consultem “o livro” e verãoQue
capricho e que beleza!Meus parabéns, Sebastião.
Tanabi, XIV —V —MCMXL.
Pessoas que tomaram parte
no JANTAR —ÍNTIMO
Sebastião Almeida
Oliveira - Homenageado, Vergniaud Mendes Caetano - Prefeito Municipal, Valentim
Alves da Silva - Funcionário Público, Constantino de Carvalho - Diretor do
jornal ”A Cidade” de Monte Aprazível, Joaquim Pacca - Funcionário Público,
Oscar Rufino - Escrivão da Delegacia de Polícia, Francisco Vargas —Farmacêutico,
Francisco Duarte Azadinho - Coletor Estadual, Tiago Caruso - Chefe do Posto
Fiscal da Dir. Receita, Manoel Garcia de Oliveira —Proprietário e Político
local, Pascoal Albanese —Contador, Antonio Guimarães —Oficial de Farmácia,
Felipe Liebana Torres —Comerciante, Arí Terra Sóssio —Dentista, Militino
Rodrigues Barbosa - Diretor do jornal ”Tanabiense”, José Caetano - Proprietário
da Tipografia São José, Dr. João Celestino de Almeida —Médico, Francisco Vilar
Horta - Escr. Cartório de Américo de Campos, Henrique Alves de Souza —Fazendeiro,
João E. do Herval Martins - Guarda-Livros, Antônio Primo Mazza - Guarda-Livros,
João Siqueira - Funcionário Público, Tessalônico Barbosa —Proprietário, Pedro
Benfati —Comerciante, Basílio Almeida Oliveira - Escr. do Cart. de Cosmorama,
Bernardo de Felipe —Dentista, Tufi Abufares —Proprietário, Pedro Mateus de
Assis —Dentista, Padre Fidélis Orueta - Vigário da Paróquia, Jerônimo Fortunato
Alves Pereira - Juiz de Paz, Sarkis Chain —Comerciante, Basileu Estrela —Oficial
do Registro Geral de Monte Aprazível, Antonio Pacca Jr. —Oficial do 2º Tabelião
de Monte Aprazível, Germano Robach —Agrimensor, Joaquim Batista de Oliveira —Cirurgião
Dentista, Rachid Homsi —Comerciante, Julio Martins Barradas —Comerciante,
Gustavo Fernandes Nogueira —Comerciante, Sebastião Ventura da Silva —Proprietário,
Jorge Homsi —Comerciante, Brasil Basso —Proprietário, Jorge Marão —Comerciante,
Núncio Celeri —Proprietário, Dr. A. M. Pereira Nunes —Médico, Nestor Negreli —Industrial,
Oto Pinkwart —Industrial, Joaquim Flausino da Silva - Funcionário Estadual, Marão
Elias Marão —Comerciante, Romeu Cabral - Professor Estadual, Alberto Vendramini
—Industrial, Josué José Paglione —Fazendeiro, Cirílo Vendramini —Comerciante,
João Vargas Filho —Construtor, João de Mello Macedo —Farmacêutico, Dr. Joaquim
S. Câmera —Médico, Dr. Assis Santana — Médico, Dr.
J. Barreto Filgueiras,
Dr. Otávio Stucchi...
Benedito Fernandes Sampaio
“O Município” está de lucto!
Benedito Fernandes Sampaio, seu director,
após prolongados sofrimentos fechou
os olhos para
sempre às 23 horas
de 24 deste.
Com ele morre o paladino da imprensa
local!
Natural do Espírito Santo do Pinhal, era
filho de Luís Fernandes Sampaio, residente neste município, e de dona Maria
Teodora Sampaio, já falecida. Deixa viúva dona Clarice G. Sampaio e, na
orfandade, um púgilo de filhinhas que o estremeciam.
Viveu sempre junto aos prelos,
conseguindo, com tenacidade, galgar todos os postos até o de director. Em sua
terra natal, posteriormente em Catanduva e por último nesta cidade, onde foi o
pioneiro do jornalismo tanabiense, fundando, em 1925, este jornal, que se
identificou à vida do próprio município que, como ele, fora instalado nesse
ano. Manteve, assim, numa simbiose perfeita, com nossa alforria política, este
jornal que sempre esteve consagrado aos interesses desta terra.
Tem ele larga folha de serviços prestados à
colectividade e neste semanário sustentou campanhas de vulto, não obstante os
percalços que todos sabem existir no
jornalismo do interior.
Em 1.936, foi eleito para o lugar de
vereador municipal e, por escolha de seus
pares, desempenhou o
cargo de secretário.
Era, também, sócio efectivo da Associação
Paulista de Imprensa.
Por isso, é com a mais profunda mágua que
redigimos estas linhas, deixando, aqui, consignado o pesar de todos os
trabalhadores desta casa, auxiliares, redactor e colaborares, com o
desaparecimento de seu director.
Cabe aqui uma referência final: ”O
Município” não deixará de existir e não mudará de orientação, da orientação que
lhe imprimiu seu extincto chefe. Tendo o favor do
público, continuará como sentinela avançada
da imprensa regional, a cumprir o seu programa
que se resume
em servir os
supremos interesses de
Tanabi.
* O referido
faleceu aos 35 anos de idade,sem assistência médica, tendo atestado oseu óbito
o Dr. João Celestino Almeida. Estásepultado no cemitério central de Tanabi;sob
o nº 577 (sepultura).
Notas biográficas
sobre o fundador do jornal “O Município” em sua primeira fase.
Nosso Aniversário
Comemora hoje “O Município” seu oitavo
aniversário. Verdade seja que, por circunstâncias várias, as quais não vêm a
pelo esmiuçar, seu aparecimento não tem sido regular nos últimos meses do ano
que se findou; mas, também é preciso que se diga, não fora um grande esforço de
nossa parte, secundados por alguns abnegados companheiros, já não estaríamos
aqui, com o presente número, a rememorar esta data festiva para os
trabalhadores da pena, neste recanto da gleba paulistana.
A
história de “O Município” confunde-se com a história da imprensa tanabiense
numa simbiose perfeita. Assim é que, em 18 de maio de 1925, José Batista
Carvalho, o “pioneiro” das lides jornalísticas em nosso meio, com o fito de
acompanhar o movimento progressista do recém instalado município, lança o
primeiro do semanário, “O Direito”, de pequeno formato mas bastante expressivo,
com o ânimo suficiente para cumprir o programa que era o de propugnar, na
medida de suas forças, pelo engrandecimento da novel cidade sob cuja égide se
erigira. Esse periódico vingou até fins do ano seguinte, sendo, por último,
orientado por Augusto Bartholo, que lhe imprimira feição mais combativa,
sustentando renhidas campanhas. Bartholo e Augusto Abufares associam-se nessa
empresa, mudam-lhe o título para “Comarca de Tanabi” e desfraldam a bandeira
reivindicadora de nossa autonomia judiciária —infelizmente até hoje não
conseguida. Mais um ano decorrido e,
criada a comarca
de Monte Aprazível,
esfria-se o ânimo
dos lidadores.
A 5 de novembro de 1927, Benedito Fernandes
Sampaio, pinhalense vindo de Catanduva e que já há alguns meses laborava
intramuros, adquire o maquinário do jornal, mudando-lhe novamente o cabeçalho
para “Cidade de Tanabi”, por isso mesmo mais consentâneo e conforme com a
realidade dos fatos. Torna-se “Cidade de Tanabi” o porta- voz das lutas políticas
de então. Estala a
revolução liberal de 1930 e a
Constitucionalista de 1932; sucedem-se as administrações provisórias até que
assume a chefia do executivo local o esforçado militar Odilon Pacheco que,
desejando ligar o seu nome à administração citadina, procura impulsioná-la em
todos os setores de sua atividade e para o nosso jornal adquire novas máquinas,
assume-lhe a direção, transformando-o em “O Município”, nome que
ainda conserva até
hoje.
Artigo
escrito para comemorar o8º aniversário do jornal “O Município”.
Tanabi, 24 de dezembro de 1939.
Volvidos
alguns meses, novamente Benedito Fernandes Sampaio empunha o leme de comando,
posto em que o foi encontrar a morte traiçoeira, já no segundo semestre de
1938. Durante esse largo período de intensa atividade, “O Município” de ano
para ano melhorou, ainda que lutando com toda a sorte de empecilhos que todos
sabem existir na imprensa do interior. Defendeu com denodo os interesses
municipais, sustentou renhidas pelejas, avultando, entre elas, a questão da
estrada de ferro; registrou com fidelidade as transformações operadas em nosso
ambiente e teve palavras de simpatia para os prefeitos que realmente
trabalharam pela nossa prosperidade, acolhendo com estímulo e apreço todos os
bons empreendimentos; em suas colunas foram ventiladas múltiplas questões
pertinentes ao nosso meio e tratados com verdadeiro carinho as coisas
tanabienses; por último, aí tiveram guarida trabalhos literários de
colaboradores locais, trabalhos esses que mereceram citas e até honrosas
transcrições em jornais e revistas da
Capital e do
interior.
Infelizmente,
com a alienação de sua oficina impressora e outros tantos embaraços surgidos,
ainda que “O Município” já estivesse a nosso encargo, não foi dado, por mais
que a isso nos esforçássemos, sustentar-lhe o tamanho e mesmo a desejada
periodicidade semanal. Ultimamente sofreu colapsos e até ultrajes, mas, graças a
Deus, ainda existe!
Existe
e é mister que não se apague a flama que o anima, porque não é concebível que
Tanabi, possuindo idênticas, se não melhores possibilidades que suas congêneres
circunvizinhas, não lhe seja dado manter um hebdomadário dedicado integralmente
à defesa de seus mais sagrados direitos, de suas prerrogativas de município autônomo
e progressista, porque é preciso convir que nenhum alienígena, sem interesses
aqui radicados, sem comungar conosco, venha a quebrar lanças pela nossa causa,
bater-se pelos nossos princípios; nós é que temos o imperioso dever de nos
armar cavalheiros desta cruzada e, para que isso aconteça, preciso é que todo o
bom tanabiense cerre fileiras em torno deste jornal, deixe seu conformismo
improdutivo, sua inércia apática e venha colaborar conosco, contribuindo moral
e materialmente pelo
soerguimento desta folha.
Só
assim poderemos cumprir o programa traçado que é o de erguer, cada vez mais
alto, o nome de Tanabi, não mais simples referência geográfica, mas, sim,
uma das
mais importantes da
fronteira planaltina!
Primeira Etapa
Primeiro aniversário de “O Município”, a ocorrer em 24 de agosto de 1942.
Com
o presente número, completa “O Município” seu primeiro ano de vida, a etapa
inicial de sua carreira que não sabemos, mas supomos longa e, quiçá, proveitosa
aos supremos interesses do meio haure a seiva de sua existência; e é de praxe,
nessas ocasiões comemorativas, fazer um balanço das atividades desenvolvidas no
transcurso dos 365 dias volvidos, a fim de, com a experiência adquirida, através
de vicissitudes as mais ásperas e alegrias as mais límpidas e propulsoras, traçar,
para os dias vindouros, incertos e sombrios como os que atravessamos, um
programa de realizações que consubstanciem os interesses próprios e os da
coletividades a fim de que a marcha prossiga, ininterrupta e produtiva, na
agradável tarefa de bem servir nossa terra e, com ela, os altos interesses de São Paulo
e do Brasil!
Sem
a menor sombra de falsa modéstia, sem constrangimento algum, do cimo destas
colunas proclamamos alto e bom som termos procurado servir os magnos anseios do
povo tanabiense, buscando, para isso, interpretar e resolver seus problemas de
município jovem e amparar sua mais prementes necessidades; com esse intuito, as
páginas deste jornal veicularam sempre alvitres e iniciativas as mais felizes,
quer partissem estas das autoridades administrativas, quer emanadas diretamente
das classes populares, uma vez que elas visassem única e exclusivamente o
soerguimento moral de nossa gente e tivessem em mira acompanhar, pari passu, o
vertiginoso progresso de nossa urbes e de toda a dilatada gleba
municipal.
Também
reconhecemos, pensar de outra forma contra senso seria, que nem todas as nossas
campanhas lograram êxito completo em sua finalidade; mas, como nada se perde e
nada se cria, conforme antigo aforismo, os nobres intuitos dessas campanhas serão
as sementes que um dia eclodirão no terreno sáfaro onde
foram esparzidas. A localização de uma escola prática de agricultura nas imediações da estação de Engº Balduino não obteve mais que o apoio de algumas vozes isoladas, é verdade, estas, por si sós, abonadoras de nossa tese, mas, em compensação, aí estão realizações que a seu tempo patrocinamos e que ora se ostentam como conquistas de nossas lutas: a instalação, em nossa cidade, do cartório de registro geral da 2a circunscrição, caso único no Brasil, dado não ser o município sede comarcal; o funcionamento, em prédio próprio, exemplo vanguardeiro em toda a região, da Biblioteca Pública Municipal, nascida de alvitre lançado destas colunas e secundado por um púgilo de intelectuais que, graças a Deus, Tanabi se orgulha de possuir; temos, ainda, força é confessá-lo nesta prestação de contas, levado nossa pedrinha de estímulo à próxima instalação aqui de uma agência do Banco do Estado, em prédio adrede construído; a instalação de um campo de pouso para aviões com escola de treinamento em vigor e para a modernização das praças de esporte que vêm atraindo, de toda a região, uma corte de atletas e esportistas em disputas renhidíssimas de prélios empolgantes. Nas páginas deste semanário acoroçoamos sempre os pruridos de emancipação judiciária dos distritos e, como fruto desse trabalho, temos a recente elevação de Brasilândia e Cardoso.
Cumpre
rememorar, aqui, nossos lembretes semanais profligando, através da seção “Locais”,
a existência de terrenos baldios em pleno centro citadino e a conseqüente
morosidade nas construções, fatores que retardam nosso progresso demográfico,
dada a exigüidade de prédios locáveis. Nossas freqüentes notas sobre a instrução
e a necessidade inadiável da ereção do edifício do Grupo Escolar levam-nos a
registrar a notícia da promessa governamental de que dentro de alguns
meses será iniciada
essa construção.
Como
podem aquilatar nossos leitores, no ano que se findou nosso jornal jamais
deixou de aparecer pontualmente uma só vez, mas, vencendo galhardamente toda a
sorte de óbices que se antepõem frente à imprensa sertaneja, saiu todos os
domingos à hora aprazada, num ritmo constante de vida regular e assim, com o
favor público, esperamos mantê-lo no decorrer do ano que se inicia, salvo os
imprevistos inevitáveis que rondam a existência do jornal do interior.
Também
no terreno literário tem “O Município” colhido farta messe de louros,
impondo-se sobranceiro no conceito público, já sustentando idéias compatíveis e
coadunantes à evolução, que ora presenciamos, a ponto de causar viva admiração
aos que nos visitam e à população das cidades circumvizinhas, já preconizando a
eclosão de nossas forças latentes e o desenvolvimento de nossa economia
agro-pecuária. Nossa campanha de otimismo tem conseguido, como frutos ópimos, o
afastamento de fantasmas deprimentes, alojados na imaginação doentia de alguns
quinta- colunistas portadores de interesses inconfessáveis,
apregoando a decadência de Tanabi,
cidade motivada pelo fato de não ser esta tangenciada pelos trilhos da
Araraquarense; e esse fenômeno facilmente se comprova pelo desenvolvimento das
construções, o recrudescimento de nosso movimento comercial cada vez mais
promissor e, em suma, por uma série de realizações que uma administração
fecunda, aliada à boa vontade de seus habitantes, vem dotando nossa terra a
ponto de torná-la invejada e admirada hoje pelos próprios
detratores de antanho.
Nosso
jornal tem procurado tornar-se o veículo da cultura sertaneja ao serviço da
inteligência de seus leitores e colaboradores. Confirmamos nossa assertiva
referindo que dezenas de artigos aí insertos em primeira mão têm sido objeto de
comentários favoráveis e animadora apreciação da parte de administradores,
jornalistas e intelectuais da região, da Capital e de outros centros do país
onde quer que esta folha atinja levando nossa mensagem colaboradora. Esses artigos vêm sendo
transcritos por órgãos de reconhecida probidade literária e cultural, fato esse
que sobremodo nos envaidece, e nos anima a prosseguir na senda encetada.
Tanabi,
20 de agosto de 1942.
“O Município”
Falar
de “O Município”, velho órgão de imprensa tanabiense, é fazer o histórico de
nossa urbes e do clã, que a habita porquanto foi ele, durante muito tempo, e
continua a ser, a expressão exata do ambiente local. Cabe aqui, por isso
mesmo, ligeiro retrospecto.
Tanabi
já teve uma série de jornais a partir de sua elevação a município, em 1924, um
sucedendo a outro; vale dizer: continuação do anterior com variação de título.
Assim é que o primeiro deles, por ordem cronológica, foi “O Direito”, fundado
em 17 de maio de 1925 por José Batista de Carvalho, tornando-se, ipso
fato, o
decanto de nossa
imprensa municipal.
Em data de 3 de novembro de 1926, surgiu “Comarca
de Tanabi”, nome pomposo que bem demonstra como era velho nosso desejo de
alforria judiciária, só conseguida em 1945. Dirigiu-o, algum tempo, o espírito
irrequieto de Augusto Bartholo.
Um
ano após, ou seja, precisamente em 5 de novembro de 1927, Benedito Fernandes
Sampaio, que já vinha trabalhando na redação de “O Município” desde sua fundação,
muda-lhe o rótulo para “Cidade de Tanaby” e o mantém regularmente até fins de
1932. A 1 de janeiro de 1933, qual nova crisálida, sai à luz “O Município”, sob
a direção de Odilon Pacheco e Gilberto de Andrade, mas, na verdade, cozinhado
pelo indefectível Benedito Fernandes Sampaio, que por mais de uma década foi
tenaz e persistente mantenedor da imprensa nesta cidade, atendendo-se ainda que
um mês não era decorrido quando o mesmo Sampaio assume a responsabilidade do
jornal, fazendo-o circular, a despeito de todas as dificuldades, até às vésperas
de ser falecimento, a 24 de agosto de 1938. Dessa data em diante, nosso modesto
nome passa a figurar no cabeçalho de “O Município”, como seu diretor, não por
assomos de vaidade, que disso não curamos, mas tão somente em homenagem a quem
nos precedeu e também para não deixar perecer a flama, que sempre nos
impulsionou, porque isso de escrever para jornal, ou melhor, ser jornalista, é
um vicio, é uma cachaça, como assevera com muita justeza o exímio biógrafo de
Machado de Assis,
Mário Matos.
Mudando
de assunto, assinalemos ainda a pertinácia de Miltinho Rodrigues Barbosa que,
de vez em quando, assume o comando deste semanário, mantendo-o com
hiatos e intermitências ao
sabor das circunstâncias.
Foi
então que o signatário destas linhas, aliando-se ao dinamismo de Valentim Alves
da Silva, unidos por um só ideal que era o de não deixar perecer a imprensa
local, manter sua tradição, fizeram que o jornal viesse à tona revestido de
novas roupagens. Saiu a 20 de agosto de 1941 o número inicial desta segunda
fase, que se caracterizou por sua regularidade, e ainda por conter, cada número,
trabalhos originais que o tornavam requestado por todos, gregos e troianos.
Cabe aqui um parêntese: a rigor, “O Município” deve comemorar seu aniversário não agora, a 20 de agosto, quando completou treze anos de existência e, sim, a 01 de janeiro, ocasião que perfará, precisamente, vinte e duas primaveras. Mas, por ter sido iniciada numeração nova, a partir da segunda fase, convencionou-se designar a data de 20 de agosto como efeméride comemorativa.
Decorridos
meia dúzia de anos por motivos supervenientes, entregamos “O Município” a Mário
Mendes Ferreira e João de Mello Macedo, espíritos lúcidos sempre voltados para
as boas causas ou, por outra, estes é que não se conformaram com vê-lo
desaparecer e o mantiveram por mais alguns anos com aquela diretriz segura que
sempre foi o seu apanágio.
Depois
é Nelson Camargo que enfrenta o batente mais algum tempo, auxiliado pelos bons
amigos da imprensa local. Após ligeiro hiato, ressurgindo, qual nova fênix, em
sua fase atual, orientado por Waldemar Alves da Costa, Venizelos Papacosta e
Italino ª Cuogui, que, imbuídos do mesmo ideal, insuflam-lhe sangue novo em
suas artérias.
Mensagens
de amizade e de colaboração, os artigos que o jornal estampa em suas colunas
nada mais são que veículos de cultura a refletir o pensamento e a inteligência
de leitores e colaboradores. É uma coluna de comunicação com o público. Por
isso mesmo, amanhã quem quiser fazer o estudo de nossa história em gestação, é
na coleção de jornais como “O Município” que encontrará dados e subsídios para
escrevê-la. Sim, por que o jornal, diário ou semanário não importa, longe de
ser arquivo de futilidades, como queria Voltaire, é repositório redivivo de
tudo o que aconteceu na vida de uma coletividade, tudo aí foi paulatinamente
registrado para tornar-se, com o evolver dos tempos, fonte de consulta digna de
crédito, atendendo-se quanto é falha a memória popular.
Nós
que já laboramos intramuros desta redação, que o ajudamos a manter algum tempo,
podemos dizer, com toda a convicção, quanto é penoso sustentar um jornal no
interior, principalmente nos pequenos centros como o nosso. É preciso ter vocação
para mártir, fazer os prelos gemer em surdina, dia após dia, na tarefa ingrata
de soltar os volantes. E, para enchê-lo com matéria que não seja publicidade,
ou transcrições, é mister espremer o cérebro e dar tratos à bola a fim de que o
artigo de fundo, as várias ou o suelto contenham algo de interesse, coisa digna
de acatamento e, de admiração por parte dos leitores e, sobretudo, não ofendam
quem quer que seja, não vá precipitar vagalhões nas vagas sempre ondulantes da
opinião pública, dado que a sensibilidade da gente interiorana é a mais
refinada possível.
Verdade seja que a ressonância de um jornal de pequeno burgo é também limitada e não alcança as grandes esferas. Mas, ainda que vox clamantis in deserto, é melhor tê-lo assim, pequenino e apagado, a nada possuir, a não ter nada. E vem aqui, a talho de foice, lembrar que nenhum outro jornal, quer das cidades vizinhas, quer dos grandes centros como São Paulo e Rio, nenhum deles, repetimos, poderá defender com mais denodo nossas reivindicações.
Nenhum
deles estudará, com mais profundidade e interesse, nossos problemas internos,
dado que eles também, onde são editados, tem outros tantos problemas a tratar e
outras reivindicações a pleitear. Estão, portanto, em trincheiras opostas, não
podem competir conosco e quebrar lanças por nossas causas.
Daí
a necessidade de prestigiar o que é nosso, prata da casa, de acolher esta folha
que por longos anos vem sendo porta voz das aspirações tanabienses, jornal que,
no mais aceso das lutas partidárias que agitam ou agitaram esta comuna, não
perdeu jamais sua serenidade e manteve sempre a mesma atitude outrora decantada.
E
note-se que isto não é discurso encomendado: saiu ab imo pectore.
Tanabi, 23 de agosto de 1954.
Fenix Ressurecta
Todos
aqueles que têm uma parcela de amor a esta terra, e são todos os que aqui
labutam, devem estar, a estas horas, eufóricos e contentes com o
reaparecimento, na arena de combate, de nosso tradicional hebdomadário “O Município”
que, após longa letargia, como a que agora acaba de deixar, circula nesta
cidade há uma boa dezena de anos, fundado que foi por Benedito Sampaio logo após
a instalação da sede municipal, em 1924, e que o autor destas linhas e Valentim
Alves da Silva trouxeram, de novo, á luz da publicidade nos idos de 1942.
A nós, principalmente, que sempre dedicamos a Tanabi o melhor de nossos esforços, modéstia à parte, e nunca fomos cassandras a vaticinar marasmos ou retrocessos para estes rincões, mas sempre acreditamos no desenvolvimento desta comuna, a nós, repetimos, somente alegrias insopitáveis poderiam trazer a notícia sobremodo alvissareira de que este jornal voltaria a circular a fim de que nossos privilégios de cidade intelectual não sofressem diminuição, face a outras que também, êmulas de progresso e estuantes de vida, ostentam índices de cultura, através de vibrantes periódicos, sentinelas a proclamar feitos ousados de gente que quer progredir e civilizar-se.
Diante
disso, cabe-nos, a nós, tanabienses de coração ou de nascimento, prestigiar com
firmeza e sem dubiedades o jornal que ora reinicia suas atividades, cooperando
com este denodado semanário que sempre foi, nada obstante duras penas, veículo
de nossas mais lídimas aspirações no campo econômico e social; ajudando-o,
moral e materialmente, a fim de que ele possa manter-se a coberto de riscos
financeiros, a defender sempre nossos interesses, a noticiar nossas realizações
em todos os setores da atividade humana. Corroboramos, nesta assertiva, o que
disse Girardin sobre o tema em tela: “Não são os redatores que fazem o
jornal, mas os
assinantes”.
Prestigiando
“O Município”, que é nosso —prata de casa- estamos também confirmando, com apreço
e simpatia, o novo surto de progresso que aqui se manifesta e que se concretiza
com a próxima inauguração do aristocrático “Clube dos Tangarás”, realização dinâmica
de Newton José Cucolíchio, acolitado por uma plêiade de eficientes
colaboradores, como um atestado vivo a enaltecer nossos foros de civilização ao
lado de iniciativas outras como essa em que se transformou a Indústria
Tanabiense de Óleos Vegetais, já em franca produção, as pequenas indústrias e
as novas casas comerciais que aqui se instalam, além da inauguração, que para
breve previmos, de uma agência do Banco da Lavoura de Minas Gerais, renomado
estabelecimento de crédito que, aqui se fixando, por certo ensejará a vinda de
outras congêneres também prometidas. Para finalizar, cumpre congratularmo-nos
com a população local pela recente inauguração dos belíssimos prédios do 2º
Grupo Escolar e da Casa da Lavoura, além dos imponentes edifícios do Banco do
Estado, Fórum, Lar das Crianças, Delegacia de Polícia e outros, como os que se
acham em construção: o Posto Bivalente, o Colégio Estadual e Escola Normal,
capazes, cada um de per si, de honrar e dignificar cidades de maior
vulto que a nossa
querida Tanabi.
Tanabi, 01 de março de 1961.
A imprensa em Tanabi
Corria
o ano de 1924 quando as tropas comandadas pelo General Isidoro Dias Lopes
preparavam-se para deixar a capital paulista rumo aos campos fronteiriços do
Sul e, em 25 de dezembro do mesmo ano, pela lei nº 2009, Tanabi era guindada à
ambicionada emancipação político- administrativa, sendo o município instalado
com grandes festas aos 13 de março do ano seguinte. Nesse mesmo dia, surgiu seu
primeiro jornal, “O Direito”, sob a direção de José Batista de Carvalho, que
exercia, então, as funções de agente postal, tendo, como gerente, Benedito
Fernandes Sampaio, sendo certo que o jornal era editado numa tipografia de
Uchoa. O Cel. Militão Alves Monteiro, político de projeção regional, vereador
junto à Câmara Municipal de Rio Preto, não só obteve a criação do município,
como, também, foi seu primeiro prefeito e influiu, até sua morte, em 1931, na
condução dos mais importantes eventos municipais. Cumpre ressaltar que, antes
do aparecimento do “O Direito”,
circulava semanalmente, em formato tablóide, e foi aqui editado o jornal “Folha
de Tanabi” que, sob a direção de Nicolau Lerro, jornalista e mais tarde coletor
federal, defendia facção política, mas teve vida efêmera. Depois de “O Direito,”
surgiu em Tanabi, “A Comarca de Tanabi”
sob a direção de José Augusto Bartolo
acolitado pelo edil municipal Augusto Manoel Abufares, e cujo primeiro número
apareceu em 7 de fevereiro de 1926 a expressar o anseio da população local por
sua alforria jurídica que, entretanto, foi postergada até 30 de dezembro de
1944, dado o fato de ter ocorrido o linchamento do Cacheado na cadeia pública
local, sob as vistas complacentes dos potentados municipais, fato este de
grande repercussão em todo o estado, o qual motivou o governo paulista a
instalar a comarca não nesta cidade, e sim em Monte Aprazível, aos 26 de maio
de 1926, para grande
desplante e frustração
dos tanabienses.
Aos
18 de dezembro de 1927, Benedito Fernandes Sampaio, um batalhador em prol de
nossa imprensa, fundou “A Cidade de Tanabi”, passando, este órgão,
posteriormente, a ser denominado “O Município” que, em sua primeira fase, teve
a direção de Odilon Pacheco, interventor municipal para esse cargo designado
por ter sido um dos chamados tenentes da revolução de 1930.
Exercendo, como exercemos, desde 1927, o cargo de oficial do registro civil, cujo distrito atingia as barrancas dos rio Paraná, publicávamos, como de praxe, os editais de casamento pela imprensa local, depois de afixados em cartório. Acontece, porém, que nem sempre o jornal circulava, e havia casos em que o casamento era celebrado sem a devida publicação e, aos 26 de maio de 1940, José Caetano fundou “O Tanabiense,” tablóide secretariado por Militino Rodrigues Barbosa; mas o jornal não tinha existência jurídica e, ao sermos questionados, por seu proprietário, para que publicássemos os editais no referido jornal, disso discordamos motivados pela agravante de estar ele cobrando Cr$ 20,00 cada edital sendo seu preço anterior Cr$ 5,00, tendo, na ocasião, José Caetano representado ao Juiz da comarca contra a não publicação dos editais. Diante disso, fomos a São José do Rio Preto onde adquirimos por quinze mil cruzeiros uma tipografia que foi transferida para esta cidade e instalada em prédio próprio anexo ao cartório de paz,
na rua Dr. Cunha Jr, outrora designada
Carlos de Campos. Convidamos, então, o Dr. Valentim Alves da Silva, jovem
advogado recém chegado da Capital, para diretor, ficando nós como redator-chefe
e, assim, fizemos reaparecer “O Município”, aos 24 de agosto de 1941, trazendo
este, semanalmente, artigos de cunho intelectual e, inclusive, os indefectíveis
editais de proclamas. Note-se que o jornal aparecia regularmente aos domingos
e, na ausência de tipógrafos, nós mesmos, os diretores, compunham todas as páginas
do jornal, dos artigos de fundo aos anúncios. Foi essa uma luta ingente, pois
exercíamos profissão alheia aquela de praxe. E não suponham que o nosso
hebdomadário era impresso em modernas rotativas, dessas que hoje compõem em
grande jornal em poucos minutos; nada disso, o que havia eram caixinhas
contendo tipos de várias qualidades, que a gente tinha de “catar” para com eles
compor vinhetas, sueltos, artigos de defuntos e ainda matéria geral de todos os
matizes e feitios. Mas o certo é que, nada obstante tudo isso, vencemos
a parada, pondo
de lado obstáculos
e percalços.
Mais tarde, passada a onda, cedíamos nossa parte na empresa ao Dr. Valentim e, logo após, jornal e oficinas eram transferidos a Nelson Camargo, atual diretor do diário “A Vanguarda”, de Votuporanga, o qual, por sua vez, transmitiu seus direitos à Empresa Gráfica “O Município” LTDA., composta pelos senhores Dr. Waldemar Alves da Costa, Emilio Arroyo Hernandes, Antônio Primo Mazza e Italino Alderighi Cuogui a quem coube, finalmente, o acervo do título e oficinas de impressão, cabendo, ao Italino, a tarefa de manter o jornal até o presente momento, já agora com o título de “O Município de Tanabi”. Na fase anterior, o Dr. Venizelos Papacosta, advogado e educador figurava, como redator do jornal, tendo sempre colaborado em suas colunas. Por ocasião do aniversário de “O Município”, em artigo intitulado “Primeira Etapa”, assim nos expressávamos: “Sem a menor sombra de dúvida, sem falsa modéstia e sem constrangimento algum, do alto destas colunas proclamamos, alto em bom som, termos procurado servir os magnos anseios do povo tanabiense, buscando, para isso, interpretar e resolver seus problemas de município novo ao amparar suas mais prementes necessidades; com esse intuito, as páginas deste jornal veicularam sempre alvitres e iniciativas, quer emanadas das classes populares, quer partissem estas das autoridades administrativas, uma vez que elas visassem sempre o soerguimento moral de nossa gente e tivessem em mira acompanhar pari passu o progresso de nossa urbes em formação e de toda a vasta gleba municipal” . Comentávamos, também, nesse artigo, a próxima instalação do cartório de registro geral, a emancipação dos distritos de Américo de Campos e Cosmorama, a construção do prédio do grupo escolar, mais tarde denominado “Ganot Chateaubriand”, além de outros melhoramentos almejados.
No
interregno de quase sessenta anos, que abrange o período destas anotações,
diversos periódicos aqui surgiram, embora tivessem existência precária, jornais
escolares como “O Arauto”, fundado por Júlia Serafim da Silva, “Martin Cererê”,
sob a responsabilidade de Nelson Camargo e ainda “O Cererê”, orientado por Luís
Maria Aimones Fúmis, poeta concretista e apreciado estilista. São meteoros
fugazes que surgem e desaparecem, mas merecedores de apreciação por esta
resenha. E, para encerrarmos este nosso despretensioso escorço, eis que surge,
em nossos dias, Oue mais precisamente em 18 de março de 1983, o semanário “Voz
de Tanabi,” sob a direção de Jomir Maximiano, o qual traz, em seu cabeçalho, a
legenda de ser o “mais independente e o melhor jornal da região,” formando, ao
lado do veterano “O Município de Tanabi,” intrépida dupla noticiosa
a veicular fatos
e notícias dos
pagos tanabienses.
Tanabi,
21 de julho de 1983.
Estrada de Ferro
Tanabi
está de parabéns!
De
parabéns está toda a população disseminada através dos doze mil quilômetros
quadrados de seu território! A Estrada de Ferro Araraquara, o sonho que
sintetiza todas as mais altas aspirações deste povo, está em vias de próxima
realização com a prometida vinda das fitas de aço a esta nunca assaz decantada
e promissora região!
De
facto: o que se depreende das ultimas notícias veiculadas pelos jornais, (notícias
essas que tiveram o condão de impirar justificado júbilo em todos os
tanabienses) tem-se como certa, inquestionavelmente certa, a efectivação para
breve dessa importância
medida, o prolongamento
da Araraquarense.
Nestes
últimos dias, tivemos, de fonte oficial, três actos de extraordinária significação
para nossa terra; o primeiro emanado da Secretaria da Viação, trata do
prosseguimento dessa ferrovia para além do distrito de Bálsamo, passando
tangencialmente à mesma localidade; o segundo, um trecho da mensagem do
preclaro Chefe do Executivo paulista à Câmara dos Deputados, em o qual, o Dr.
Armando de Salles Oliveira, com a visão de estadista que o notabilista em todos
os seus actos, preconiza a orientação da estrada pela margem direita do rio São
José
dos Dourados em demanda do rio Paraná, e,
finalmente, como fecho de ouro de tão relevantes medidas, a autorização
publicada no “Diário Oficial” de 08 de julho corrente, mandando prosseguir
trinta quilômetros, além de Mirassol, conforme estudos anteriormente feitos;
eis, na íntegra, o teor desse despacho: E.F. Araraquara: Autos 19664 —Prolongamento
de 30 quilômetros além de Mirassol —“Autorizo a construção do prolongamento de
30 quilômetros da EFA, segundo o projecto e orçamento; apresentados e nas condições
propostas no ofício G 62. Remetam-se estes autos ao Departamento de Estradas de
Rodagem, a fim de que o mesmo tome conhecimento das sugestões do Sr. Director
da EFA no ofício acima mencionado, relativamente a estradas de rodagem na zona
interessada”.
É
de ver-se que tópico transcrito situa claramente o ponto final desse
prolongamento precisamente em Tanabi, uma vez que essa é a distância que medeia
entre nossa “urbs” e Mirassol. Mais tarde, como bem dizem as referências da
mensagem estadual, o desenvolvimento da estrada proceder-se-á até o rio Paraná,
em ponto conveniente, após um percurso de 216 quilômetros pelo dorso do
divortium aquarium São José —Preto e São José —Turvo, atravessando em cheio o
imenso hinterland tanabiense, de acordo com o admirável traçado de autoria de
Gonzaga de Campos que, criteriosamente, seguiu os passos do saudoso Pimenta
Bueno e outros menos ilustres engenheiros patrícios, todos acordes em que essa
linha de projecção continental prossiga pela margem direita do São José dos
Dourados.
Sim, porque, somente com essa directriz, poderá realizar in-totum os objectivos que colima, os quais, entre outros de alta finalidade, se consubstanciam nos postulados de Euclides da Cunha: a) conquista dos sertões; b) enlace internacional imposto pela pressão dos acontecimentos.
Não
será demasia salientar que esta última proposição refere-se à defesa estratégica
contra possíveis convulsões internas e não menos viáveis ataques às nossas fronteiras.
O
Diretório Político do Partido Constitucionalista local não se tem descurado
desse magno assunto e é assim que, além de entendimentos pessoais com os
membros do Governo, ao ter conhecimento do acto oficial determinando o
prosseguimento da linha-tronco para esta zona, endereçou longo ofício ao Exmo.
Sr. Governador do Estado, Secretário da Viação e mais autoridades,
congratulando-se com a mesma e fazendo, ao mesmo tempo, veemente apelo, a fim
de que os nossos interesses, os legítimos interesses de Tanabi, não fossem
postergados ou quiçá postos à margem, quando da materialização desse relevante
cometimento, e, além disso, presentemente, patrocina uma representação popular,
verdadeira moção de solidariedade ao Governo paulista que em boa hora enfrenta
e resolve um dos
mais intrincados problemas
da região.
Dizemos
enfrenta e resolve porque as palavras do documento governamental, longe de
serem unilateralmente a favor de nossa terra, Tanabi,
contemplam a laboriosa população de Monte
Aprazível com a promessa de que estudos estão sendo feitos dum ramal que “partindo
das proximidades de Santa Adélia, se desenvolveria no espigão divisor dos rios
Tietê e São José dos Dourados” servindo, dessarte, Mundo Novo, Itajobí, Ibirá,
Potirendaba, José Bonifácio e Monte Aprazível,
ou seja, a riquíssima
zona de sua
trajectória.
Dada
a posição favorável do terreno desprovido de relevos ou acidentes de mor importância,
o que equivale a dizer com reduzido número de obras de arte a construir,
cremos, firmemente, na possibilidade auspiciosa de ouvir o silvar das
locomotivas nas cercanias da cidade dentro do menor espaço de tempo. Teremos,
conseqüentemente a esse facto, a propulsão dinâmica de todas as nossas
actividades —lavoura, comércio e indústria, à imediata solução do momento e
nunca assaz resolvido problema dos transportes, para mais rápido escoamento dos
productos do solo: algodão, café, cereais, madeiras etc...; o desenvolvimento
de nossa cidade que assim se tornará o grande empório do sertão e este, por sua
vez, grandemente beneficiado será com o dilatar de sua potencialidade econômica
em estado latente; poder-se-á aproveitar em futuro não remoto a inesgotável
energia hidráulica contida nas majestosas quedas de água que irrompem nos
cursos dos caudalosos rios lindeiros
do município.
Um sistema de estradas rodoviárias convergentes dos confins municipais, localidades e Estados vizinhos, à sede, trará a Estrada o contingente necessário e imprescindível ao intercâmbio e à economia de tráfego, com reais vantagens à região circumjacente. Haja vista a estrada de rodagem estadual Lussanvira-Porto Taboado, passando por Novo Oriente e ora em construção; com relativo dispêndio pode essa via ser trazida até o ponto terminal da EFA, pondo, assim, em ligação as duas grandes congêneres; noroeste Araraquarense.
Tanabi,
16 de julho de 1936.
Locais...
Tanabi vem atravessando, presentemente, fase por
assim dizer áurea nos seus faustos de cidade jovem. Dezenas de prédios em
construção; melhoria sempre crescente de seu comércio interno, com farta renovação
dos estoques; sangue novo a infiltrar-se em suas veias com a chegada,
diariamente, de forasteiros aqui aportados com o fito de permanência. Novos
empreendimentos públicos e particulares a surgir em todos os recantos da
cidade; tudo isso aliado a outros fatores, nos leva a crer que a expansão de
nossa terra acompanha agora o ritmo necessário aos grandes cometimentos que
todos lhe predestinam. Atingiu, por isso mesmo, seu clímax propício, o que
facilmente se constata atendendo que, no Departamento Administrativo do Estado
está sendo estudado um projeto elevando sua Delegacia de Polícia para 3º
classe; a Coletoria Estadual local arrecadou, em 1942, quantia equivalente a três
milhões de cruzeiros; dentro em breve serão iniciados os trabalhos do Grupo
Escolar, cujo prédio custará ao Estado cerca de CR$405.000,00; por último, a agência
local do Banco do Estado, no curto
lapso de três meses,
logrou preencher todos os requisitos para sua elevação de classe, fato virgem
comparado a outras agências instaladas em lugares de mais decantado progresso.
Diante de tudo isso, resta aos tanabienses
trabalharem, com denodo, a fim de conseguirem dos poderes públicos, ainda este
ano, alforria judiciária para seu município, o
maior entre os
maiores da terra
bandeirante.
Tanabi, 31 de janeiro de 1943.
Dados Biográficos do saudoso ex-Prefeitode Tanabi, Sr. Pedro Ovídio
Filho do casal Rafael Ovídio e Dionizia Ovídio, o Sr.
Pedro Ovídio nasceu na cidade de Ribeirão Preto; foi fazendeiro em Guapiaçu e,
em 1946, transferiu-se para esta cidade onde era abastado agricultor. Casado
com dona Rosa Bosse Ovídio teve, o casal, dez filhos: Rafael, Antônio, Maria
Aparecida, Dionízia, Dolores, Pedro, Rosalina, Lourdes, Luiz Eduardo e Carlos
Alberto.
Foi vereador em várias legislaturas e, mais tarde,
eleito Vice-Prefeito. Nas eleições de 15 de novembro de 1968, foi eleito
Prefeito Municipal de Tanabi
e empossado em 1 de
fevereiro de 1969, cargo que exerceu durante dois anos e meio, aproximadamente,
sendo vitimado por desastre automobilístico aos 18 de julho, vindo
a falecer a 26 do
mesmo mês, em
1971.
Como Prefeito, sua administração caracterizou-se pela
parcimônia nos gastos, lisura e honestidade no lidar com as rendas municipais
que sempre empregou em obras públicas, educação e assistência social. Reformou
mais de 50 escolas e grupos escolares da sede e distritos, criou outras em
bairros populosos e, sobre-tudo, atendeu a classe menos favorecida por meio de
auxílios, hospitalização e aviamento de receitas. Adquiriu várias máquinas,
reformou outras e deu atendimento ao setor de estradas, pontes e mata-burros.
Deu cobertura firme a todas as reivindicações dos esportistas locais, Tiro de
Guerra nº 50, festividades tradicionais da cidade, iluminação artística nas
ruas da cidade e diversos melhoramentos
que muito impulsionaram
Tanabi na zona
urbana e rural.
Pelos trabalhos que realizou, pelo muito que fez por
Tanabi e pelo que muito poderia ter feito, não fora a fatalidade que o vitimou,
Pedro Ovídio bem merece ter o seu nome perpetuado, denominando o Ginásio
Estadual desta cidade, ele que foi um dos mais esforçados administradores no
campo da educação tanabiense.
Tanabi, 22 de junho de 1974.
De Arribada...
Artigo escrito
sobre o livro “Arribada”,de João
de Mello Macedo,para o jornal “A Vanguarda”, de Cássia
—Minas e nesteinserta em seu nº 1.056, aos 30/08/1936.
Com ou sem competência, mais de uma vez tenho
apreciado, de pena em riste, o aparecimento de um novo livro no mercado imensurável
da Inteligência; nem sempre, porém, minhas modestas e despretensiosas apreciações
aparecem inseridas nas colunas dos jornais desta zona; impressões pessoais, de
mérito reduzido, nenhum interesse suscitariam de outrem, pelo que as conservo
comigo para minha diretriz e orientação somente. Mas, não se infira daí,
apressadamente, que me arrogo título ou direito de crítico e de crítica....
Minhas reduzidas leituras não me
autorizam tentar escalas
e leituras dessa índole.
Também, e por isso mesmo, não me é permitido, como
seria, aliás, de meu agrado, adornar de galas e louçanias os pensamentos áureos
e rútilas imagens que a leitura de bons livros sugerem e como que despertam e
turbilhonam esvoaçantes em meu cérebro, evocando idéias novas e novos
incentivos para atingir maiores profundidades, para devassar os recantos onde
se ocultam as pérolas incomparáveis
da opulenta celebração
humana.
A poesia de largo fôlego afaz-nos às grandes idéias,
torna ductil o pensamento, expurga-o de demasias e deformidades —afirma-o a crítica
desenvolta do inolvidável
Humberto Campos.
“Arribada”, no entanto, causou-me pasmo e torpor;
pasmo por fotografar, com irrepreensível forma, aspectos bucólicos e agrestes
de nossa região pastoril, com a suave melodia de inspiradas rimas; torpor, para
meu espírito desajeitado e não afeito às subtilezas ocultas que palpitam nos
meandros da verdadeira poesia, e por isso, embora admirando-a, não a sabe
compreender, não a sabe ver com olhos que
só os poetas
sabem e poder
ter.
Não sei, pois, que palavras alinhar neste axórdio
para expressar nitidamente o que se passou nos escaninhos de minha alma ao ler
extasiado aqueles adoráveis poemas que J. Mello Macedo —poeta e poeta vencedor,
destilou nas páginas desse
livrinho para regalo não somente dos que têm a ventura de privar sua adorada
companhia, mas de toda a atual geração de brasileiros, cultores, como
ele, da Arte e da
Poesia em seu
mais alto e
excelso sentido.
Demais, a crítica indígena, em todos os quadrantes de
nossa terra e por seus mais autorizados intérpretes já se desincumbiu dessa
tarefa, que sei não cumprir a contento, dando a Macedo o lugar privilegiado que
lhe compete na moderna categoria do pensamento brasileiro. Nada é preciso
acrescentar ao que dele disseram os magnatas da pena ao estudarem sua
personalidade literária, viva, patente e esplendidamente definida naqueles
poemas luminosos de “Arribada”!
Assim é de perdoar-se esta linguagem apagada e
despida de luminárias e a delonga em cumprir o elementar dever de externar —em
público e raso —os sentimentos de gratidão impecável à dedicatória que o autor
houve por bem lançar no frotespício de sua obra-prima, não tanto por ser o
fruto primeiro de seu espírito de eleição, que muito nos promete, como, também,
pelo merecimento real que tem —oferenda régia que aguardei avaro ao lado de
meus livros de maior predileção.
“Arribada” fala de um modo particular e tocante à
nossa alma de tanabiense, toca-nos de perto em nossa psique ao retratar
fidelissimamente os aspectos, a natureza e a humanidade privilegiada da região
abençoada que elegemos para o cenário de nossa vida. Eis como o troveiro das
gestas sertaneja canta deslumbrado o cemitério humilde e paupérrimo de nossa
terra, patrimônio sagrado de nossas
mais devotadas tradições.
ELEGIA
Melancolia amável de
esquecer as horas,a contemplar-te, cemitério humilde de minha
aldeiaBucolismo suave de scismar,à sombra humida dos açoita-cavallos,debruçando
as ramas florescidas,como bençams estendidas,por sobre o teu cercado de
aroeiras a pique.Doçura de sonhar, ao rumor elegiaco do vento, que vem do
capoeirão bravio, em que te occultas,embalsamado de aromas,povoado de
cigarras,de cigarras e de pássaros.
Destacando esse poema não é meu intuito aventar seja
o único dedicado à nossa terra; muitos outros se nos deparam no âmago dessa relíquia
literária e até se nos afigura que Mello Macedo teve a benévola preocupação,
para não ferir melindres, de repartir conosco e sua terra natal —Cássia —as
primícias promissivas de seu talento
de escol.
A Canção do Peão de Boiadeiro, tipicamente regional,
deve ter sido concebida quando, emocionado, seu compositor ouvia as modinhas
dolentes e saudosas da peonada folgazã, nas horas divertidas dos pousos, esses
históricos pousos que emergem ao longo da velha estrada boiadeira e pontilham,
em pás aqui-distantes, a diagonal imensa do vasto território tanabiense, sendo
Porto-Taboado referência geográfica muito conhecida referendada nessa evocativa
canção.
Nocturno, Arribada, No pouso, Monjolo, A derrubada,
Recortado e tantos outros encantadores fragmentos de seu livro parecem escritos
com o louvável propósito de fixar os quadros folclóricos da região —ainda
remota e desconhecida nas grandes Capitais —quadros esses vinculados por um
estilo harmonioso, conciso e emoldurados de graça, na variabilidade intangível
de seus ritmos escolhidos, sabido é que “O lavor do estilo é a mais custosa das
artes, mas só o estilo dura as obras no tempo. A simplicidade da perfeição
vem do longo esforço, que é um longo
amor na divina angústia do belo”, segundo a definição cristalina de Aloísio de
Castro.
Os largos vôos demorados e solitários sobre os
altiplanos do espírito na contemplação filosófica das cousas estão soberbamente
esteriotipados nas oitenta e sete páginas de seu exímio lavor e aí também se
divisam, em pronunciados contornos, o temperamento de Mello Macedo, - sua
invulgar cultura, proporcionados por extraordinário manuseio livresco,
assombrosa memória e rara capacidade de assimilação. Foi isso, talvez, que
levou Jurandir Ferreira a escrever, há mais de um septenário, em “A Folha”, de
Poços de Caldas e subordinado ao título: “Um poeta de verdade”, este revelador
trechinho: “O fato é que nesta nova geração mineira nós não conhecemos nenhum
outro poeta que lhe tenha ganho o passo. Citaríamos Carlos Drumond, Abgar
Renault, para nomear alguns de grande lustre os modernos, e ele não seriam
maiores do que Mello Macedo, talvez o mais novo
de todos”.
Bem hajam, portanto, aqueles a quem não esquecem os
grandes serviços, os fecundos benefícios que semeiam, em sua gloriosa jornada,
esse homens astros, esses vultos singulares, que honram e enobrecem, com as
cintilações de seus espíritos, a si próprios, o país em que aspiraram a
primeira aura de vida, a humanidade, de que servem de luzeiros e onde a
nacionalidade assenta o pedestal de sua glória e grandeza literária, mirando-os
e apontando-os como árduos e argutos timoneiros do futuro engrandecimento da pátria
—palavras de Carneiro Ribeiro, que faço
minhas, para saudar
o Vencedor!
Aplicáveis lhe são estes conceitos de Amadeu Amaral,
em “Letras Floridas”, pormenorizando em magnífico estudo a vida de Raimundo
Correia: “O que, apesar de tudo, pudesse haver de relevo e de cor em sua vida,
ele o dissimulava à contemplação os estranhos sob a bruma de um tímido e
silencioso retraimento”, porquanto, não é somente como poeta que Mello Macedo
nos é caro. Ele é, sobretudo, um bom, de uma bondade sem limites, meldrosa
delicadeza e elevação de sentimentos, um reconcentrado, vivendo sempre uma
potente e radiosa vida interior,
vida que produz
lantejoulas como essa “Arribada!”
Confúcio, o venerável filósofo da China vetusta,
dividia os homens em quatro classes: bons, médios, medíocres e maus. Macedo,
sem nenhum favor, está capitulando entre os primeiros; invoco, em meu
testemunho, a opinião dos habitantes de Tanabi, das mais altas às ínfimas
camadas, pois todos o rodeiam de uma aura de simpatia e acolhimento
persistente. Ele bem sabe repartir cada dia entre vivos e mortos, o amor e o
pensamento que é a melhor forma de viver.
Buscando desfazer a má impressão destes desataviados
comentos facultados ao seu autor, e para isso rogo vênia, transcrever esta jóia
de valor inestimável que emoldura
um dos capítulos
de seu relicário
poético:
MANSUETUDE
Como é dôce ficar, horas
mortas, ouvindoo manso farfalhar das arvores amigas,sob o vento nocturno,e o
abafado ruído dos fructos maduroscaíndo sobre as fôlhas húmidas do chão,no
perfume envolvente do pomar...Como enternece à gente esperar pelo somno,quanto,
lá fóra, a noite sensual do outomnoanda embriagando as flôres de sereno e de
luar...Oh! a volupia de ir-se adormecendo,a ouvir uma canção de acalanto e de
magua, que nos embala, de longe, bem de longe, na marulhosa quéda de algum vêio
dagua...
Tanabi,
13 de dezembro de 1935.
João de Mello Macedo e Sebastião Almeida Oliveira sendohomenageados no
Clube dos Tangarás.
Mensagem do Prefeito
Municipal de Tanabi ao Exmo. Sr. PrefeitoMunicipal de Campo Belo, MG. A ser entregue no Programa Silvio Santos, dia
30 de maio de 1969.
Redação de Sebastião
Almeida Oliveira.
Tanabi, no 87º aniversário de sua fundação, elevado a
município em 1924, vinte anos depois comarca e já agora com foros de segunda
entrância, ostenta os melhoramentos de uma cidade civilizada, com todas as suas
ruas e praças iluminadas a mercúrio e asfaltadas. Possui invejável topografia,
clima ameno e está situada na região fisiográfica noroeste de São Paulo, sendo
ligada à Capital por magnífica estrada pavimentada e servida por numerosas
estradas vicinais e inter-municipais, além da Estrada de Ferro Araraquarense
com duas estações ferroviárias no território
municipal.
A urbes conta atualmente dois mil prédios de
alvenaria com perfeito serviço de água e esgoto, farta iluminação elétrica, telégrafo,
telefone etc. Possui Hospital, Tiro de Guerra, semanário “O Município”,
emissora ZYM-4 Rádio Clube de Tanabi, quatro estabelecimentos bancários, Caixa
Econômica Estadual, Coletorias Federal e Estadual, Fórum, cinco cartórios, Estação
Rodoviária, Campo de Aviação, Bibliotecas, Delegacia de Polícia, Posto
Bi-Valente, Casa da Lavoura, Sindicato Rural, Igreja Matriz Santuário, dois
clubes recreativos, três praças ajardinadas, e instituições como Lions Clube,
Lar das Crianças, Vila Vicentina, Albergue
Noturno, Asilo de
Velhos etc.
As principais fontes de renda do município: café, cereais, algodão e gado assim se distribuem: 5.000 cafeeiros produzindo 50.000 sacas beneficiadas por ano; 8.000 hectares plantados em milho produzem 200.000 sacas; 1.000 hectares cultivados em algodão produzem 80.000 arrobas; 500 hectares de mamona produzem 15.000 sacas; 50.000 pés de laranja atingem 100.000 caixas desse produto; 12.000 hectares de arroz dão anualmente 240.000 sacas desse cereal. Quanto à pecuária temos uma população calculada em 50.000 cabeças bovinas com uma produção de 30.000 litros diários e 60.000 arrobas anuais de carne; o rebanho suíno é composto de 30.000 cabeças com 24.000 arrobas anuais de carne e banha; temos, ainda, 100.000 aves com 300.000 dúzias de ovos e 50.000 frangos anuais. O comércio local conta 186 estabelecimentos, 34 máquinas de benefício de café e arroz e mais 15 indústrias diversas, tais como fábricas de móveis, bebidas, usinas de benefício de leite (Nestlé), de algodão, curtume, sapatos e de várias espécies.
Cinco farmácias, quatro médicos, oito advogados,
quatro escritórios, no setor musical, o Conjunto Bossambrasa, a Banda Marcial,
fanfarras colegiais e outras.
Na estação rodoviária local circulam, dia e noite,
dezenas e dezenas de ônibus, interligando Tanabi quer ao interior do município,
quer às importantes cidades da região: São José do Rio Preto, Mirassol, Bálsamo,
Monte Aprazível, Mirassolância, Palestina, Américo de Campos, Pontes Gestal,
Riolândia, Cardoso, Cosmorama, Votuporanga, Fernandópolis, Jales, Santa Fé do
Sul, e Sebastianópolis etc...
O Município de
Tanabi, com 768 quilômetros quadrados, tem um distrito de paz, além da sede:
Ibiporanga, e vários núcleos habitados como Ecatu, Perobas, Estação, Rincão
etc. É sede de comarca, abrangendo os municípios de Américo de Campos,
Cosmorama e Ponte Gestal, com um território de 1875 quilômetros quadrados; 242
hectares é a área onde
se assenta a
cidade.
É de 15.000 o número de eleitores em toda a comarca e
de 10.000 o da sede. Tem 1482 propriedades rurais e arrecadou, em 1968, para os
cofres municipais, CR$ 1.584,555,23. Cidade edificada entre dois ribeirões: o
Jataí, de onde tirou seu primitivo topônimo, e o Bacuri; tem 525 metros de
altitude, 20º22’ de latitude sul e 49º37’ de
longitude oeste.
O Instituto de Educação “Pe. Fidélis” conta 1.229
alunos matriculados nos cursos ginasial, científico, clássico, normal, e primário;
a Escola Técnica de Comércio abriga 145 alunos dos cursos comercial e técnico,
e o seis grupos escolares da sede e zona rural e 46 escolas isoladas instruem
2.170 alunos do curso primário.
Aí está, pois, em rápidas palavras, um retrospecto de
nossa terra e de sua laboriosa população, unida e coesa num só esforço para
melhor servir São Paulo e engrandecer
o Brasil.
Que estes laços de afeto que o programa Silvio Santos
logrou estabelecer, ligando duas cidades —irmãs por um só imenso ideal, sejam
perenes e duradouros e, assim, possamos, pelo tempo ovante, duas coletividades
jungir num mesmo afeto de simpatia. São os votos que formulo, representando a
comuna tanabiense e seu povo.
Pedro Ovídio, Prefeito Municipal, em 30 de maio de 1969.
Saudação proferida em praça pública, na cidade de Tanabi, em gigantescamanifestação de regozijo pela vitória da representação de Tanabi na competição “Cidade Contra Cidade”, programa Silvio Santos,Canal 4, São Paulo, em 30 de maio de 1969.
Digníssimas
autoridades,
Povo de Tanabi:
Honra, pois, e glória a Tanabi, na pessoa de seu
timoneiro MANUEL TORRES e de todos os abnegados tanabienses que, sem medir
sacrifícios, bravamente lutaram para conseguir essa láurea para esta cidade e
para toda a região, num supremo
esforço em que
todos colaboraram.
Que o rio das borboletas, onde os tangarás se
distraem nas horas vagas, continue sempre a correr no fluxo das idades para
conquistar outras vitórias como esta,
que todos jubilosamente
festejamos.
Tanabi, 1 de junho de 1969.
Inauguração das novas instalações dos Correios e Telégrafos,em Tanabi, no dia 7 de setembro de 1970.
Exmo. Sr. Dr. Olegário Dantas, D.D Diretor da
Regional dos Correios e Telégrafos
de São José
do Rio Preto.
Exmas. Autoridades presentes, meus Senhores, minhas
Senhoras:
Aos 28 de fevereiro de 1904, uma comissão de riopretenses composta dos senhores Porfírio, Adolfo Guimarães Corrêa e Frutuoso José de Figueiredo, em representação dirigida ao Administrador dos Correios de São Paulo, pedira a instalação de linhas postais para o Jataí, que a esse tempo não tinha ainda a designação atual —Tanabi. Três anos depois, a 5 de novembro de 1907, a mesma comissão insistia no pedido, alegando que a localidade já possuía cerca de seis mil habitantes e fazia jus ao melhoramento pretendido. Entretanto, há precisamente meio século, na década de 20, Tanabi viu instalar-se aqui, pela primeira vez, uma agência de correio. Nesses recuados tempos, a correspondência era transportada por estafetas a cavalo pelas ínvias trilhas da velha estrada Boiadeira.
Anos mais tarde, esse transporte de malas passou a
ser feito pelas jardineiras do intrépido Feliciano Sales Cunha, sonhador e
pioneiro, o pioneiro que nos ligou à cidade-mater São José do Rio Preto, às
localidades sertanejas e ao Estado de Mato Grosso, via Porto do Taboado. Com
seus ônibus ronceiros, verdadeiras traquitanas desconjuntadas, pois nem
estradas possuíamos, o transporte de malas e passageiros convertia-se num
milagre a repetir-se diuturnamente.
E assim se
amansou o sertão...
De conquista em conquista, chegamos à comunicação
telefônica e telegráfica que nos pôs em contato imediato com os grandes centros
comunitários do país. E assim veio o correio servindo à cidade que lentamente
crescia. Antes da atual distribuição de jornais pelas empresas editoras dos
grandes matutinos da Capital, nas primeiras horas da manhã, a principal meta do
tanabiense era ir ao correio, a repartição mais concorrida da cidade, e era
comum ver-se conspícuos fazerem fila para receber correspondência, como, também,
como nota pitoresca, era comum vê-los, jornal distendido, pelas ruas centrais
da cidade, ainda não invadidas pelo automóvel, a deglutir as últimas notícias
que o correio lhe trazia, com 24 horas
e, a mais
das vezes, com
semanas de atraso.
O interessante, porém, é que naquele tempo se lia mais do que na época atual e a importância do sujeito se media pelo número de cartas e jornais que recebia diariamente. Hoje, na era dos televisores, da eletrônica, já ninguém mais lê, ninguém mais cultiva a arte de se corresponder por meio de cartas e a comunicação entre os homens é feita visualmente por aparelhos de transmissão. Infelizmente, o correio de hoje quase só nos entrega avisos de vencimento...
Entretanto Tanabi se ressentia, nos dias atuais, de
correio à altura de seu adiantamento, nada obstante os insistentes apelos da
Regional de Rio Preto. Nossa agência postal telegráfica funcionava num
pardieiro e tinha o aspecto deprimente de
uma dessas agências
de ínfima classe
de uma corruptela
qualquer.
Diante disso, a Prefeitura de Tanabi, tendo à frente o
Sr. Pedro Ovídio e uma equipe de homens esforçados a assessorá-lo, tomou a
iniciativa de construir um prédio funcional, de linhas simples, como este que
ora se inaugura. Tanabi agora se orgulha de possuir uma agência à altura de
seus foros de
cidade que se
projeta para o
futuro.
Resta-nos agora a esperança de que a Regional da
Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, sob a eficiente direção de Olegário
Dantas, que tem dotado outros centros iguais a Tanabi de melhoramentos e
equipamentos condignos, reserve, também, para esta cidade, melhoramentos
condizentes e à altura de seu progresso. É preciso lembrar àqueles que disso
conhecimento não tiveram que Tanabi foi a terra-mãe de todo esse rosário de
cidades que hoje formam a Alta Araraquarense. Daqui se irradiou o progresso
sertão adentro, mas é de justiça também relembrar ter sido ela esquecida na
partilha dos benefícios que o Governo distribui para outras comunas, e é para
esse ponto que, neste momento, chamo a atenção de todos os que dispõem de uma
parcela de poder, quer na região, no Estado ou no País, este país maravilhoso
que todos estamos ajudando a construir e a
tornar vanguardeiro nas Américas!
Tanabi, 7 de setembro de 1970.
Discurso proferido na “Tarde de Autógrafos”, em 20 de agosto de 1977,às 20 horas, no ginásio de esportes “Tanabi Cestobol Clube”,por ocasião de apresentação ao público do livro “Subsídios para aHistória de Tanabi”, pelo autor, Sebastião Almeida Oliveira.
O que é que poderíamos falar-vos nesta noite tropical
que literalmente denominamos de “Tarde de Autógrafos”? Algumas desataviadas
palavras de apresentação de nossa modestíssima “História de Tanabi”, isto é,
meros subsídios para o trabalho de maior amplitude, contribuições para uma
investigação mais completa da vida pregressa desta urbes?
Que diremos, então? Que realmente se trata de achegas
à historiografia regional tecida, que foi de fragmentos esparsos do passado a
custos obtidos; dados paupérrimos coligidos após esforços inauditos e paciência
beneditina, compulsando documentos paulatinamente e ouvindo vozes do passado
através dos antigos habitantes da localidade, bastando acrescentar que, antes
do aparecimento de nossos escritos, que antecederam este livro, nada havia sido
elaborado ou registrado acerca da cidade, sua fundação ou sobre a marcha dos
acontecimentos urbanos empós o lento dealbar de um século, que se dilui na
lenta e inexorável passagem do tempo. E que dizer, então, de nossa acanhada
capacidade para enfrentar trabalho de tamanha responsabilidade, que devia e
deve ser promovido por elemento culto, tendo a seu dispor, para melhor assessorá-lo,
uma equipe de pessoas ilustradas e acurada pesquisa adrede preparada. Mas nada
disso aconteceu conosco, e pensar que fizemos tudo isso “na raça”, sem dispor
dos mais comezinhos conhecimentos dessa árida matéria que só os grandes catedráticos
conhecem, jejunos que somos em história, tendo em vista, ainda, a fragilidade
de nosso preparo intelectual, autodidata que somos, sem dispor de um gabarito
cultural que se faz mister para cometimentos desse teor.
E, com estas palavras despretensiosas, estamos
apresentando esta obra, que sabemos nascida tão somente da perseverança e do
esforço e que assim, desprevenida, vem disputar o favor público numa audácia
que atinge e ultrapassa as raias do razoável.
Entretanto, força é confessá-lo que, amando, como
amamos, este rincão, que nos abriga há
cinqüenta longos anos, quisemos anotar os principais acontecimentos que aqui se
desenrolaram e dar-lhes, afinal, aspecto de um livro, livro que fosse, como era
nosso desígnio, um repositório dos mais destacados eventos aqui ocorrido, nesse
lapso de tempo, despidos de outras vaidades além de podermos contribuir para o
engrandecimento de Tanabi. Se conseguirmos alcançar
em parte, esse objetivo, já nos consideramos pagos pelo esforço despendido, e quem isso poderá afirmar são todos aqueles que nos dão a honra de suas presenças neste local, todos aqueles que, mesmo fora deste recinto, acompanham com simpatia nossa atuação, lenta, mas persistente, em prol da comunidade, sendo certo que aqueles que irão compulsar esta monografia poderão dizer se o nosso intuito foi ou não alcançado, merece ou não acolhida dos tanabienses da velha guarda e também dos advéns aqui recém-chegados, todos, aliás, contribuindo para maior grandeza deste município e da região.
Este livro, vou preveni-los, não é aquilo que todos
esperavam. Está eivado de lacunas, cheio de erros palmares, bem o reconhecemos,
mas, por isso mesmo, necessita de generosa acolhida e fraternal benemerência e
jamais a crítica impiedosa que se compraz em destruir, antes que edificar, para
que o nosso esforço canhestro não seja descoroçoado, não seja em vão, mas tenha
a ampará-lo a recompensa e o apoio daqueles que compreendem quão grande é a
nossa incapacidade de realizar obra duradoura, mas, também, como é grande a
vontade que temos de
servir e de
prestar algum serviço
à coletividade.
O
único intuito nosso ao escrever este ensaio foi, como alhures dissemos,
registrar dados e informes pertinentes a esta cidade e região para um futuro
aproveitamento pelo historiador do porvir, em obra de maior alcance que um dia,
estamos certos, será escrita por alguém mais credenciado do que nós. Com esta
trabalhinho pretendemos formar um simples patrimônio histórico como fonte de
estudo para as
novas gerações.
E com estas palavras desataviadas e incolores damos
por encerrada esta aborrecida parlenda.
Mas, antes de nos despedir, cabe-nos, contudo, trazer
à colação nosso perene agradecimento a todos os que nos auxiliaram na elaboração
deste trabalho e, entre eles, seja-nos permitido salientar a eficiente ajuda
que nos proporcionou João de Mello Macedo, o poeta que todos admiramos, quer
escrevendo magnífico prefácio, quer orientando-nos com segura diretriz. Também
ao Poder Público Municipal, nas pessoas de Milton Cury Miziara e Waldir de
Faria, na passada administração, e Alberto Víctolo e Olavo José de Paula, neste
exercício, os quais, na chefia do executivo ou na presidência da edilidade,
projetaram e aprovaram substancial auxílio para a publicação desta História; a
eles o nosso reconhecimento, que fazemos extensivo aos senhores vereadores. Aliás,
toda a população tanabiense é credora de nossos agradecimentos, porque nela que
haurimos incentivo e foi ela que nos proporcionou meios para a realização deste
ambicioso tentâmen.
Finalmente, cabe-nos agradecer, e de coração o
fazemos, o comparecimento das dignas autoridades aqui presentes e, ainda, com
muito amor e carinho, agradecermos a todos, indistintamente, que, aqui
comparecendo,
trouxeram sua consagração
aos esforços deste velho escriba que ora entrega ao julgamento popular
estes parcos “Subsídios
para a História
de Tanabi”.
Muito obrigado a todos!
Tanabi, 20 de agosto de 1977.
Noite de Autógrafos do
livro:“SUBSÍDIOS
PARA A HISTÓRIA DE TANABI”Carmem Vargas de Oliveira, Lambert,
Sebastião Almeida Oliveirae João de
Mello Macedo.
Nocturno
(Ao amigo Mello Macedo)
Ambiente morno de uma tarde de abril. A seteira do
cronômetro passa, sismarenta e pausada, pela décima nona divisão marcando,
displicente, a transição do dia. As cambiantes do crepúsculo, diluindo a
tonalidade das cores, vão desfazendo, imperceptivelmente, as arestas contornais
das coisas e as formas lentamente
se imergem no
lago impenetrável do
indiferenciado...
A lua, esse penduricalho burlesco que a terra maneja
por invisíveis cordeis, divaga, erradia e sem destino, pelos domínios
indefinidos do azul, ouvindo, talvez,
embececida e terna
o idílio apaixonado
das estrelas...
Cordas feridas de um violão antigo deixam, desferidas
e castigadas, escapar lamentos amaríssimos, queixas dolentes que se casam à voz
nostálgica do sertanejo que lhe
concia máguas brotas
do imo de
seu peito...
E uma vitrola “acordada” fere o espaço, gritando um
tango argentino da moda e, no lampadário suspenso de postes postados na muda
contemplação de si mesmos, flue a claridade a flux na doida volúpia de espancar
as trevas que há pouco adelgaram
seu manto escuro
pelos raros telhados
do vilarejo.
O escapamento-fechado de um auto que parte em
desabalada carreira denuncia, de longe, em rumos de escala decrescente, a
fugace rapidez de seu itinerário.
Vem-nos, da usina elétrica, o compasso ritmado das
pulsações motoras, dando-nos a ilusão momentânea de ser aquela o próprio coração
da cidade que pulsa, palpitante de
vida, de progresso
e ansioso de
expandir-se...
Despetalam-se os refolhos da memória. Rememoramos,
então, pensamentos vividos no decorrer do dia que ora caminha em sua marcha
fantasmagórica para o nada. Assim, de simples idéia embrionária no cérebro, por
meio de mágicas elucubrações, tecemos as urdiduras de sentimental romance,
pleno de minúcias e atrativos, desenrolado em cenários luxuosos, onde, nem
sempre, a realidade
comparece...
As antenas auditivas recebem transmissões de sons
confusos e divergentes a um só tempo; vozerios imprecisos, ladrar ululante de cães,
babélica sonância de miríades de insetos engastados no gramado protetor das
ruas, e o conjunto desse rumor impreciso vai, noite a dentro, perdendo a
nitidez de sua existência até a
indiferenciação completa, na
plenitude do silêncio.
Deixamos, então, esse sonhar de acordado, acordando
em sonhar dormindo...
Tanabi, 21 de maio de 1929.
Novo Rumo
A renovação ambiente que o
Prefeito está operando na estética urbana atingiu também o nosso hebdomadário,
que, qual crisálida entorpecida por um marasmo prolongado, transforma-se em alígera
borboleta de asas auri-fulgentes e doudas, na ânsia incontida de conquistar o
espaço - assim a “Cidade”, deixando a vestimenta antiquada e despojando-se do
próprio título, aparece-nos agora em novo formato, intitulando-se “O Município”,
como que a indicar que seu raio de ação se estenderá doravante dos acanhados
limites citadinos para alcançar o âmbito circunscripcional do imenso território
tanabyense, que todos sabem ser o maior da terra de
Piratininga.
A nova phase que o nosso semanário inaugura signala
uma ephemeride que não devemos olvidar. Antes deve constituir, para todos nós,um
motivo de júbilo porque esse pormenor deveras significativo é um índice categórico
e incontestável que demos um passo para a frente na progressão infindável de
todas as nossas aspirações, progressão essa notável e patente em todos os
campos de actividade, a que se
entrega este povo
laborioso.
O jornal é como um espelho fiel que reflete em sua
face todas as mutações transformadoras de uma cidade e de uma região. Deve ser
amparado por todos quando propugna pelos interesses da coletividade e não serve
somente de instrumento de discórdias. O nosso jornal, como “prata da casa”, faz
jus à boa vontade e synpatia de toda a população a que serve porque será o
defensor intemerato de todas as suas prerrogativas e o registro fidedigno de
todas as inovações e melhoramentos que a administração municipal vai semeando
prodigamente por todo
este vasto e
promissor “hinterland”.
Tanaby precisa ser conhecido lá fóra, não através de uma lenda falsa ou relatos tendenciosos
como soe acontecer, onde se percebe o intuito evidente de menoscabar as nossas
possibilidades,mas, sim, com a divulgação sistemática e pormenorizada de todas
as riquezas incommensuráveis de sua terra dadivosa, pois, sobre ser uma zona
essencialmente agrícola e pastoril, o seu sub-solo
juncado de minérios e mesmo
pedras preciosas, que em alguns lugares afloram à superfície, já não falando
das immensas reservas de ulha branca que podem, de sobejo, abastecer o maior
parque industrial da América do Sul: São Paulo!
Com uma propaganda bem orientada e feliz, poderemos
colocar esta terra na posição que
lhe compete na
escalada do Progresso!
Tanabi,
década de 1930.
Livros e Agremiações.
Club é, como todos sabem,
palavra de origem inglesa e tem, nesse idioma, entre outras acepções, este
peculiar significado: Na Association of persons to promote a common object, or
for good-fellowship, etc., esp. One jointly suported and meeting periodically.
Union of persons in a company or society for a common porpose.
Pondo de lado a algaravia
arrevezada dos beefs, e utilizando prata de casa, diremos que é uma
sociedade ou reunião de pessoas com um fim comum, centro escolhido onde pessoas
seletas se reúnem para jogar, ler, conversar, distrair, em suma.
Correspondendo
a esse vocábulo temos o portuguesíssimo grêmio, que os dicionários
definem: “Corporação de indivíduos ou sócios sujeitos a estatutos e
regulamentos para um
fim recreativo e
ao mesmo tempo
instrutivo”.
Agora que se processa a inauguração solene do “Grêmio
Literário e Recreativo de Tanabi”, cremos não ser de todo descabido traçar umas
linhas a propósito do mesmo e em prol da criação de uma modesta biblioteca,
para maior realce e significação dessa entidade nascida, ao que parece, sob os
melhores auspícios.
Dois motivos capitais, dignos de ponderação, induzem
a organizar uma coletânea de livros, revistas e jornais numa das salas dessa
corporação; o primeiro, porque o termo literário contido em sua denominação não
se justifica se ele, o Grêmio, não for, como esperamos seja, honrado com as
luzes da classe pensante desta cidade, se não em tertúlias de alta especulação,
pelo menos em palestras acima do ramerrão quotidiano, em reuniões onde se façam
ouvir as vocações oratorianas da mocidade e onde se possa ler qualquer coisa
para recreio e ilustração do espírito.
O segundo motivo, esse também de certa importância,
resume-se no fato de Tanabi não possuir, até esta data, nem sequer uma
biblioteca de reduzida capacidade, quer nas sedes associativas, quer em outros
pontos, muito embora a situação privilegiada que desfruta de verdadeira capital
do sertão, servindo mais de vinte e cinco
mil almas.
Não fosse o receio de sermos mal compreendidos, diríamos que em Tanabi não se lê...
Que distância guardamos do povo americano, país até
nas estradas públicas se vêem, a cada passo, bibliotecas de todos os tipos,
fixas e circulantes, todas procurando elevar o nível da mentalidade, já de si
elevada, desse grande povo!
Ainda há poucos meses volvidos, a Congregação Mariana
de Moços iniciou a reunião de alguns livros para a formação de sua biblioteca;
pouco tempo teve, entretanto, de vida: em breve, uma e outra passaram para o
rol das coisas extintas e da
utopia.
O Tanabi Tênis Clube, não obstante contar em suas
fileiras luzida turma de moços comandados pela figura saliente de João de Mello
Macedo,também não possui uma simples
coleção de livros.
Cumpre salientar que, nesse capítulo, Tanabi não se
emparelha com as demais cidades da região rio-pretana. Em todas, algumas de
menor importância que a nossa, prosperam e vicejam sociedades recreativas,
culturais, religiosas e esportivas, possuidoras, quase todas, de boas
bibliotecas para regalo dos sócios componentes.
Corre por aí uma lenda de que o clima de Tanabi não é
propício ao desenvolvimento de agremiações de qualquer natureza. Invocam, em
abono dessa asserção, o prematuro desaparecimento da Associação Comercial, da
Liga Protetora da Banda de Música, da Sociedade dos Lázaros, da Congregação
Mariana, da Irmandade do Santíssimo Sacramento e tantas outras sociedades
surgidas sob os melhores augúrios e em curto espaço de tempo dissolvidas;
algumas resumem-se simplesmente na reunião inicial, ata lavrada e discursos.
Parece mesmo haver qualquer sentido verdadeiro nessa
ousada afirmativa, fato esse que nos entristece, porque somos bairristas e
desejamos o progresso desta terra. Cabe, portanto, a nós tanabienses, que temos
amor pelas nossas coisas, desmentir sentença tão deprimente, emprestando nosso
decidido concurso a todas as boas iniciativas, a fim de que os nossos foros de
cidade próspera não venham
a periclitar no
conceito das localidades
vizinhas.
Que o novel Grêmio seja um desmentido vivo a essas
afirmações duvidosas e possamos um dia ver realizada a idéia, que aqui deixamos
impressa, são os votos
que formulamos destas
colunas.
Tanabi, 21 de janeiro de 1937.
O intelectual e o esperanto
Necessita, o homem de letras, para exposição e
enunciação de seu pensamento, de uma linguagem que se torne compreensível, não
só nos pagos onde habita, vale dizer em sua pátria, como, também, noutros países,
entre povos de língua diferente àquela que lhe é peculiar. E o vertiginoso
progresso de nossa época, para satisfação das relações dos povos, cada vez mais
estreitas, está a exigir a intercompreensão de
todos os homens.
Antes de mais nada, cumpre advertir que não iremos
propor o banimento da língua nacional, que seria substituída por outra de âmbito
mundial. Em nosso caso, embora chamem nosso idioma “túmulo do pensamento”,
nunca, jamais, admitiríamos sua troca por outro de maior amplitude e prestígio
internacional. O amor que devotamos á língua de nossos ancestrais afasta-nos de
cogitações assim malsãs e deletérias.
Todavia, nessa escala de idéias, cumpre advertir que
não alimentamos simpatias pela adoção de chamado English Basic que
muitos andam por aí a apregoar como excelente veículo de entendimento
universal, pressupondo-o escolhido para tornar-se a língua do futuro, dado o
prestígio indiscutível que o idioma de Shakespeare goza em todo o Orbe
civilizado, principalmente no campo comercial.
No entanto, o inglês puro e simples, que nestes dias
de após guerra ganhou surpreendente difusão em todos os continentes, muito
embora as excelentes qualidades de que se reveste, possui, em sua estrutura,
algo prejudicial à sua adaptação em muitas nações que nele vêem, antes de mais
nada, poderoso instrumento cultural a serviço do imperialismo de um povo que já
domina mais de dois terços do
planeta.
Por sua vez, o suave idioma em que tão elegantemente
se expressaram Corneile e Chateaubriand, o francês, também de acentuada projeção
entre os povos do velho mundo e quiçá da jovem América, não obstante isso, de há
muito perdeu sua universal influência, e o próprio latim, outrora poderoso e
dominante, arcaíza-se e se
torna obsoleto em
nossos dias.
Assim analisados, nenhum idioma vivo poderia
tornar-se a linguagem oficial de toda a humanidade, cada qual trazendo em seu
bojo contradições, incongruências, defeitos e qualidades negativas. Também não é
aconselhável lançar mão do idioma de algum país para com ele subordinar a
cultura de outros povos,
deixando-os em condições
de inferioridade.
Só uma língua artificial poderia resolver o problema, a fim de não suscitar nacionalismos exaltados e vãs disputas de povos rivais. E, dentre elas todas, do Ido as Volapuk, somente logrou vingar, e alcançou mesma fama e projeção internacional, a genial criação do sábio polonês Zamenhof, o Esperanto, usado presentemente por milhões de pessoas em todos os recantos da Terra. O ideal de Zamenhof, grande paladino da paz e da fraternidade humana, é unir todos os povos da terra sob a bandeira de uma língua única, para que os pensamentos possam ser externados sem cogitação de raça, cor ou credo político ou religioso.
Seu fácil aprendizado dá ao Esperanto lugar de
merecido destaque entre todos os idiomas falados, além de superar, por sua
perfeição, todas as línguas mortas
como o grego
(antigo) e o
latim.
Para maior divulgação da obra do escritor nacional,
principalmente de artigos em jornais e revistas periódicas, seria interessante
e até recomendável acompanhá-los de resumos em Esperanto, a exemplo do que vem
fazendo, já há alguns anos, a prestigiada Revista da Sociedade de Geografia do
Rio de Janeiro, cujos trabalhos, de indiscutível mérito e valia, são
acompanhados com profundo interesse por todos os estudiosos da ciência geográfica
onde quer que esse mensário apareça, mesmo entre gente que desconhece o português.
Só assim conseguiremos ver nossa produção mental apreciada por escritores de
outros continentes que, via de regra, jamais travaram contato cultural com a língua
que falamos.
O presente Congresso possivelmente fará publicar os
seus Anais, a exemplo do que fez o Primeiro Congresso Brasileiro de Escritores,
reunido em São Paulo. Propúnhamos, então, fossem as melhores teses acompanhadas
de resumos em internacia lingvo, confiada a tradução a pessoas de notória
capacidade, a fim de que as cogitações da intelectualidade paulista apreciadas
fossem lá fora, além fronteiras, em regiões onde o conhecimento do vernáculo é
ainda um mito.
Propomos, também, que este Primeiro Congresso de
Escritores Paulista recomende ao intelectual brasileiro a adoção do Esperanto
como linguagem de intercomunicação dos povos a serviço dos sacrossantos ideais
de fraternidade.
Tanabi, 11 de agosto de 1946.
* O texto acima foi uma tese para o 1º Congresso de Escritores Paulistas
que se reuniram de 22 a 26 de setembro de 1946,na cidade de Limeira, Estado de
São Paulo.
Tanabi
Tanabi, la domaro, kie mi vivas, estas urbeto kum
6000 logantoj kaj estas lokita en São Paulo, granda kaj progresema brazila
stato.
Gi estis fondita em 1887, sed gi preskáu ne elvolvigis gis la aktuala centjaro. Em la jaro 1907 gi farigis paca distrikto. Gia ricevis, tiam, la aktualan nomon “Tanabi”, kiu signifas “rivero de la papilioj”.
Granda estas gia territorio kun pli ol dekmil
kvadrataj kilometroj. Gia limoj atingas la riveron Paraná kaj la landlimon de
Mato Grosso kaj Minas Gerais.
Multnombraj personoj, kamparanoj kaj bovaristoj,
vivas en gia komunomo.
Em la jaro 1925 la urbo igis sendependa de São José
de Rio Preto, cefurbo de la regiono,
kaj de tiam
havis propran vivon
kaj administradon.
Kun la alveno de la revolucio de 1930, estrita de
doktoro Vargas, kie estis ceregistaro de Brazilo gis 1945, (la actúala estas
Doktoro José Linhares), Tanabi kreskis
danke al la
trankvileco política.
Multnombraj kaj elegantaj domoj estas konstruitaj;
stratoj, placoj kaj gardenoj estas projektitaj.
En la internlando aperis diversaj domaroj, fine:
Votuporanga, hodiaú fariginta komarko; Fernandópolis, cefurbo de komunumo;
Cosmorama, prospera urbeto; Igapira, Cardoso, Ibiporanga, Américo de Campos,
Jales, ciuj distriktoj. Estrela do Oeste, Indianopolis, Parizi, Santo Antonio,
Jacilândia, Nogueira, Kaj grandnombraj aliaj lokoj inkluzive Cachoeira dos Índios,
kiu estas la plej bela kaskadaro de la
regiono, kiun ciuj
admiras.
Pro la jugista administracia reformo de 1944, Tanabi
perdis la plimulton de sia territorio. Tamém, malgraú tio, ke gi perdis tiun
areon, gi estas ankoraú granda kaj
prospera.
Actúale giahavas bibliotekon, forumon, hospitalon,
ginastikejon, lernejon, bankojn, almarigejon kun tri aeroplanojkaj lernejo de
aviado; gi havas ciusemajnan gazeton “O Municipio” fonditan de la autoro de ci
tiuj linioj, notarioficejojn, Electra lumon, katolikam pregejon, radiostacion,
bonan vojon kaj alian plibonajojn.
Tanabi, 11an de novembro de 1945a.
* O texto acima foi reproduzido para que o leitor tenha noção
da escrita esperantista. O referido foi escrito para Svisa Internacia Servo
deBerna, Suissa (revista internacional de Berna), descrevendo a cidade de
Tanabi.
Totens e Tabus
Tabu, palavra originária da língua
polinésia, hoje incorporada ao léxico universal, designa tudo o que é sagrado,
proibido e impuro. Sua violação, por isso mesmo, acarreta castigos
sobrenaturais: doença, loucura, morte. Por sua vez, totem, de origem
americana, designa o pai ancestral da clã, seu espírito protetor e benfeitor e,
assim, substitui a religião
em muitos povos primitivos. São de origem totêmica o culto dos animais no
Egito, os deuses primevos da Grécia e das tribos antigas da
América, da África e da Austrália. Assim, o dragão lendário dos amarelos, a vaca sagrada dos brâmanes, o Boi Apis e o Milhafre dos egípcios, a pomba, representando o Espírito Santo entre os católicos, são outras tantas exteriorizações simbólicas e totêmicas.
Figas, amuletos, camafeus, derviches, estatuetas, velhos ídolos de pedra dos aborígenes amerabas são também singulares representações totêmicas de que o homem se vale para preservar-se de perigos e premunir-se contra maléficas influências.
Reminiscências de barcos
samienses, que singram o mar de Mirtos, com suas cabeças de javali ou de cavalo
à proa, as embarcações do São Francisco, rio eminentemente nacional, trazem,
também, horrendas figurações de monstros totêmicos á
proa e à
popa, possíveis numes
tutelares dos nautas
fluviais.
Costumes bastante
difundido é o de pôr cabeçadas, com seus respectivos cornos, espetados em
cercados, ou como estranhos manipanços protetores de searas, preservando-os de
mau- olhado e outras mazelas temíveis, nada mais representa que imarcescíveis
resquícios totêmicos da alma popular conservados através da
idade.
Idéia totêmica que
persiste em muitos povos, a de imitar certos animais, encontra ressonância
entre nossos tabaréus que não desdenham usar dentes ponteagudos ou
limados, ideal de beleza em
sua concepção.
Metonímias extravagantes
como coisa-ruim, capeta, tinhoso etc. são usuais representações totêmicas do gênio
infernal que a linguagem registra.
Farto contingente de
nossas superstições tem suas raízes embebidas nessas duas palavras de cunho bárbaro
e selvagem: totem e tabu. Deles não prescindem a
etnografia e o
folclore.
Para complemento deste
escorço, vão aqui arrolados quase uma centena de proibições que se fundam em
motivos mágico-religiosos na alma popular:
1 —Apontar com o
indicador certos frutos como: melancia, melão e outras cucurbitáceas, pois
isso faz bichá-los.
2 —Mencionar nome de
pessoa falecida.
3 —Cruzar as mãos sobre a
nuca: profetiza morte certa dos pais.
4 —Passar por debaixo de
escadas; segundo a crença, o muro, o chão e a escada fazem um triângulo, sendo
sacrilégio passar através dele.
5 —Transpor o arco-íris:
faz mudar de sexo.
6 —Pôr peneira na cabeça:
impede o crescimento das crianças.
7 —Ter em casa duas velas
acesas a um só tempo: atrapalha a vida do casal.
8 —Deixar vassoura de
cabeça para baixo, isto é, invertida: vira o juízo.
9 —Matar gatos: atrasa os
negócios e dá sete anos de azar.
10 —Doente mudar de
travesseiro: mudou, morreu.
11 —Velho fazer casa
nova: morte próxima.
12 —Pisar na sombra de
alguém. Por isso, os indus marcham em fila de um, bem separados um do outro,
porque, segundo crêem, pisar na sombra do homem representa grave ofensa à sua
alma. E têm suas razões, dado que são portadores de
tradições milenárias, que
se perdem na
noite dos tempos.
Tanabi, 6 de outubro de 1947.
Pioneiros do Oeste Paulista
Verdadeiro deserto de ecúmeno era, há um século, a
região que habitamos. A vasta mesopotâmia formada pelos rios lindeiros Turvo e
Tietê, concurrentes do Paraná, era, a esse tempo, a menos povoada do Estado.
Deu-se, então, no Oeste Paulista, a penetração de audazes pioneiros, varadores
da selva e plantadores de cidades que aqui se instalaram, legítima ou
sub-repticiamente, em diferentes pontos do imenso território, produzindo, aos
poucos, os aglomerados urbanos de nossos dias, intrépidos sertanistas que
repetiram aqui as mesmas heróicas façanhas atribuídas aos bandeirantes do
Planalto, homens telúricos, que “se atolaram no massapé etnográfico e sofreram
a sedução dissoluta e criadora dos trópicos”.
Vieram, os primitivos povoadores, por caminhos
naturais, picadas abertas a facão, por onde enfiavam cargueiros atufados,
veredas sinuosas a custo vingadas por rústicos e dolentes carros de bois, e
foram instalando, à margem dos ribeirões, nas clareiras da floresta impérvia,
abrindo as primeiras roças e cultivando o solo agreste. Decorrido algum tempo,
ergue-se um cruzeiro de madeira em local adrede escolhido por “homens bons” da
redondeza e, ao lado igrejinha tosca, o primeiro casebre seguido de outros; uma
venda e mais outra e assim cresce o povoado que logo adquire foros de vila e até
de cidade. À lavoura organizada cede lugar a mataria bruta. Modifica-se a
paisagem derredor e novos costumes substituem hábitos de antanho;
empreendimentos novos impelem os homens em todas as direções; a civilização vai
aos poucos se implantando do altiplano à planura, do
tabuleiro ao rechão.
Segundo se infere dos fastos locais, o surto povoador
da interlândia teve seu núcleo inicial em Minas Gerais, deslocando-se,
sucessivamente, para Casa Branca e Barretos, Campinas e Araraquara, Bebedouro e
Jaboticabal antes de fixar-se em nossa região. De Casa Branca, em 1820,
provieram os irmãos José e Joaquim Gonçalves de Souza, que se estabeleceram no
Borá; da mesma origem procedem, mais tarde, Antonio Carvalho e Silva e Luiz
Antonio da Silveira; este e sua mulher, Tereza Francisca de Jesus, são os
doadores do patrimônio de São José do Rio Preto, conforme documento assinado em
São Bento de Araraquara aos 19 de março de 1852. No mesmo ano, vindo de Casa
Branca, aqui chegava João Bernardino de Seixas, incontestavelmente o fundador
da cidade e que, ao lado da igrejinha de sapé, construiu sua morada, gérmen da
poderosa metrópole de hoje. Aí se hospedou, em 1887, o então Tenente Taunay,
quando de seu regresso de Mato Grosso, após transpor cinqüenta léguas de mata
virgem aquém rio Grande.
À guisa de esclarecimento, para explicar a presença dos Seixas nestas paragens, lembremos a versão de que o Imperador Pedro II havia doado grandes áreas de terras a Antonio Bernardino de Seixas, morador de Casa Branca e que, com o intuito de desbravá-las e povoá-las, manda para cá seus filhos José e João Bernardino de Seixas.
Em 1830, mais ou menos, dá-se a entrada de João Ramos
da Costa e José Alves Ferreira, que se fixaram, com suas famílias, no Viradouro
e São João.
Registre-se, outrossim, a existência das colônias
militares de Avanhandava e Itapura, fundadas por ocasião da guerra do Paraguai;
conquanto seu acesso fosse mais acessível por via fluvial, uma estrada
ligava-as a Rio Preto e Jaboticabal, estrada essa ainda hoje conhecida por “caminho
de Pedro II”. Essas localidades, São Jerônimo, Itapirema e outras são meras
referências geográficas encontradiças
nos mapas de
1900. O resto
era sertão, e sertão bruto.
Por volta de 1860, o índio tamoio Joaquim Chico vem
residir às margens do Jataí. E, juntamente com Hilário de Souza Rozendo,
Agostinho Pereira, Manuel Francisco da Silva, Joaquim Euzébio de Souza e Bento
Perez de Souza ergue, aos 4 de julho de 1882, rude cruzeiro que é o marco de
fundação da atual cidade de Tanabi.
Um decênio decorrido, três sertanistas matogrossenses
abrem uma picada pelo vale do Dourados, picada essa por onde se orientou
Ugolino Ugolini, em 1900, ao construir a estrada do Taboado. A velha pista de
gado, hoje abandonada, tornou-se, como é óbvio,
elemento civilizador da
região.
A 01 de julho de 1908, Porfírio Pimentel, sacristão e
companheiro do Pe. Bento, provindos de Jaboticabal, e ambos moradores de Rio
Preto, funda Monte Aprazível com o nome de Água Limpa. A ele também se deve a
fundação da Monte Alto e, em
1889, de Catanduva,
ex-Cerradinho.
Antes do raiar deste século, não há memória de ter
sido fundada nenhum outra povoação em toda a região, exceto das localidades
mencionadas neste escorço.
Nessa data, Antonio Martins de Oliveira transfere-se
para as proximidades de Mirassol; mas a fundação, propriamente dita, se deve a
Joaquim da Costa Penha (que a 29 de junho de 1897 já havia fundado Monte Azul
e, mais ou menos por volta de 1925, deu início a Neves) acolitado por Victor Cândido
de Souza, Antonio Fidélis e Modesto José Moreira. O ato, que se deu aos 8 de
setembro de 1910, vem testemunhado por original ata então lavrada e até hoje
conservada.
Por essa ocasião, Lourenço de Siqueira instala-se nos
Três Córregos. Ele, José Rodrigues da Costa (Carioca), Manuel Mano da Silva e
José Cantador erguem o povoado desse nome, que teve origem em três casebres, e
que hoje se denomina Potirendaba,
com o significado
de “bouquet de
flores”.
No mesmo ano de 1910, Felício Bottino, Felipe
Scarpeli e Severiano Ferreira fundam Cedral, então conhecida por Cedro, embora
o local fosse habitado, desde 1900, por
alguns moradores que aí aportaram.
Ainda na mesma data, José Crescêncio de Souza funda Cerradão, hoje José Bonifácio; nasce Ubarana um pouco mais além. Chegam os primeiros moradores a Nova Aliança, agora Município. No local denominado Córrego Grande, ergue-se novo arraial mais tarde batizado com o nome do notável engenheiro Ignácio Uchoa, de cujo apelativo se aproveitou a parte final: Uchoa. Data de 1912 a fundação de Nova Granada por Francisco dos Santos, que lhe deu o topônimo de Vila Bela, topônimo depois mudado para Pitangueiras.
Com a construção da primeira casa por Nicola Storti,
nasce Engenheiro Schimitd. Guapiaçu, que já se chamou Ribeirão Claro e até
Sapato Queimado, como querem as más línguas, teve o patrocínio do preto Manuel
Firmiano de Silva (Manuel Carreiro), José Braga, José Basílio de Almeida e
outros fazendeiros do local, dado que já existia em 1912, conforme testemunho
pessoal do autor.
Da. Lourença Ayala funda, em 1920, o povoado de
Garagem, nome do atual distrito de Bálsamo. Registra-se, então, o aparecimento
de Águas Paradas, mudado, posteriormente, para Américo de Campos, e tendo por
fundador Manuel Francisco, ao que supomos o mesmo que ajudou a erguer o
cruzeiro do velho Jataí. E Álvares Florence, que já se chamou sucessivamente
Igapira, Monteiro e Marinheiro, por certo deve ter tido origem nessa época, ou
um pouco antes. A seguir, em 1921, João Pacheco de Lima, com o primitivo nome
de Barra Funda, ergue a localidade
de Ipiguá.
Vem depois Palestina, fundada nas proximidades do
ribeirão Piau, por Valentim Álvares e os irmãos Rogério e José Gonsalves da
Silva ao 1 de janeiro de 1922. No mesmo ano é erguida Nipuã com o nome de
Cachoeira da Boa Vista.
Em homenagem ao seu fundador Cândido Poloni surge,
aos 3 de maio de 1926, a vila de Poloni, e a 24 de junho de 1928, dia de São João,
Joaquim Fernandes de Melo e Manuel Ricardo de Lima plantam o marco genetriz de
Nhandeara. Macaubal, outrora Coqueiros, nasceu em 1924, sob a égide da
trindade: José de Freitas Cais, Manuel Camilo de Figueiredo e José Garcia
Sobrinho.
Pereira Barreto, originário do núcleo nipônico Novo
Oriente, surge em 1932. Nesse mesmo ano, a 1 de janeiro, Julio Catini e Antonio
Cândido Borges, irmanados, fundam Cosmorama, na comarca de Tanabi. No ano
seguinte, Antonio José de Carvalho (Tonico Barão), Feliciano Sales Cunha e
outros erguem o arraial de Palmira, atual General Salgado. Em 1934 vem
Ibiporanga, fundada por Marciano Maciel da Silva e, a 2 de novembro de 1935,
origina-se Duplo Céu, à frente Manuel Dias e outros. Em 13 de junho, João Gonçalves
Leite lança os alicerces de Pedranópolis.
Ao lado de Brasilândia, sob o auspícios de Carlos
Barozzi, numa emulação feliz, Joaquim Antonio Pereira funda, em 1939, o patrimônio
de Pereira,
hoje Fernandópolis. A 8 de agosto de 1937, o agrimensor Guilherme Von Truembach lança a pedra fundamental de Votuporanga, em terras da firma Teodor Wille &Cia, cidade essa que seis anos após era elevada a distrito de paz, município e comarca num só dia. A 7 de maio de 1945, José Felix e José Beran fundam Victoria Brasil e, a 15 de abril de 1941, Euphly Jalles, latifundiário na Ponte Pensa, edifica Jalles. A 27 de outubro de 1946 nasce Macedônia, nome de seu fundador João de Mello Macedo.
Nesse entretempo, mais de uma dezena de novas
localidades surgiram no abençoado torrão conhecido por Oeste Paulista, mas, ao
elaborarmos este apanhado, não obtivemos dados categóricos, embora compulsássemos
publicações regionais. Entre as omissões, lembremos aqui: Cardoso, Pontes
Gestal, Três Fronteiras, Santa Fé do Sul, Albertina, Guarani do Oeste, Indiaporã,
Tupinambá, Mira Estrela, Bela Vista, Valentim Gentil, Simonsen, Estrela D’Oeste,
Parizi, São João das Duas Pontes, Meridiano, Conde de Prates, Brasitânia,
Populina, Floreal, Magda, Turiúba, Buritama, Planalto, Major Prado, Monte
Douro, Junqueira, Monções, Auriflama, Gonçalves, Brioso, Costa, União,
Mangaratu, Onda Branca, Boturuna, Ingá, Jurupeba, Onda Verde, Balduíno, Ecatu,
Mirassolândia, Eliziário, Ventura, Mendonça, Monte Belo e tantas outras por aí
brotadas como cogumelos. Gratos seriamos aos interessados que no enviassem
dados e informações seguros para melhor divulgação deste trabalho,
documentando-o.
Tanabi, 2 de fevereiro de 1952.
Contrastes e Confrontos
Referem crônicas lendárias da antiga Roma que nobres e plebeus sibaritas, à cata de prazeres requintados, celebravam, em determinados lugares, festins orgíacos em homenagem a Baco, a divindade do vinho e dos prazeres. E sobre as ruínas desse culto pagão, via de regra, foram construídos templos e mesquitas, igrejas e capelas cristãs, transformando, destarte, o profano em sagrado, santificando o local irreverente. Preces e hosanas substituem, em nossos dias, o que foi, outrora, a prática aviltante de ritos bárbaros, o estertor dionisíaco de uma sociedade em decadência. Assim, no lento evolver dos séculos, que se sucedem indefinidamente, a humanidade foi se aperfeiçoando espiritualmente, em lenta ascese, das trevas à luz, a aproveitar lições colhidas de geração em geração, pelo tempo ovante.
Mutatis mutandi, recordemos que, nos pródomos
da fundação de Tanabi, da nossa mui nobre e leal cidade de Tanabi, um punhado
de “homens bons”, que formavam o núcleo inicial do povoado, houveram por bem
construir, em terreno adrede escolhido, tosco cercado de madeira à guisa de
cemitério, onde eram inumados os mortos do clã tanabiense. Situado na esquina
da atual Praça da Bandeira, deixou de existir, nessa função, lá pelos idos de
1918, quando foi oficializado o atual Campo Santo da vila Operária que, dito de
passagem, ostenta em sua fachada austera, na portada principal, a secular
inscrição destruidora de orgulhos e vaidades: Revertere ad locum tuum.
Carcomida pelo tempo, a paliçada derredor desgastou-se e desapareceu;
esborroaram-se os jazigos de terra batida: cruzes, coroas e ex-votos
desfizeram-se paulatinamente a justificar universal consenso de que o tempo
tudo consome.
Veio o progresso destruidor e irreverente. O terreno,
murado e cimentado, mudou de aspecto: nele foi construída moderna quadra de
cestobol onde, diariamente, a mocidade se exercita em pugnas esportivas que
demandam esforço, movimento e agilidade, numa algazarra peculiar à juventude
que põe em prática o conselho de Juvenal, mens sana em corpore sano, sem
contudo atinar, e à mocidade tudo se perdoa, que assim procedendo, transforma
em profano aquele recinto outrora sagrado...
E ao lado dessa quadra desportiva construiu-se
moderno salão de festas, onde se pratica o culto de Terpsícore, uma das nove
musas da mitologia grega, aquela que presidia à música e à dança, representada,
via de regra, tangendo uma harpa e vários instrumentos e músicos à sua roda.
Dir-se-ia que aí, nesse local, dançando, estão os tanabienses a cumprir
estranho ritualismo, um culto totêmico ao passado, quando, na verdade,
cultua-se o presente, o momentâneo, o atual, com danças e músicas irreverentes
a perturbar o sossego de quem já não vive. No salão festivamente adornado, em
determinados dias, há, também, renhidas disputas de truco, acompanhadas e
terminadas por brados de triunfo, doestos inocentes, gritos e exclamações que
lembram colóquios do homo terrificus das eras glaciais...
E, assim, num contraste chocante entre a Roma
imperial e a nossa Tanabi provinciana, verificamos nada ter de que nos ufanar
com a transformação operada no antigo campo santo da gens tanabiense.
Mas, assim mesmo, e nada obstante isso,
viva o Progresso
com todos os
seus ritos iconoclastas.
Tanabi, 14 de abril de 1959.
Alguns comentários sobre o Tangarás
Surgiu, o Clube dos Tangarás, de uma perene aspiração
popular, tendo por escopo a fundação de associação recreativa e cultural que
servisse, em seus desígnios, aos precípuos interesses da coletividade. E foi ao
encontro dessas aspirações que o Dr. Newton José Cucolíchio teve a iniciativa
de levar avante esse magnífico tentâmen, reunindo, a convite seu, nos salões do
Sindicato Rural de Tanabi, cerca de cinqüenta pessoas gradas com o fito de
levar a bom término essas idéias
preliminares em esboço.
Achegas para a história do Tangarás
Nos pródomos da fundação do Clube dos Tangarás, nos
idos de maio de 1960, em uma das reuniões preparatórias, cogitou-se do nome que
deveria designar a novel entidade recreativa tanabiense, ocasião em que seu
idealizador, o Dr. Newton José Cucolichio, entregou à assembléia, adrede
convocada, a tarefa de escolher essa designação para que a nascente agremiação
tivesse um nome sonoro, expressivo e ao mesmo tempo com significado pertinente às
suas funções sociabilizantes.
Nessa ocasião, consultados que fomos, aventamos
aplicar ao grêmio que se fundava o nome de “Jataí Clube”, em homenagem à antiga
denominação desta urbes, Tanabi, dado que a cidade, antes da criação do
distrito de paz, em 1907, chamava-se pura e simplesmente “Jataí”, assim como
designava também o rio ou ribeirão que lhe banha os flancos, o querido “rio das
borboletas”, tradução indígena do vocábulo “Tanabi”, na opinião acertada do
saudoso tupinólogo paulista Plínio Ayrosa, com quem tivemos a honra de conviver
nos intra-muros do Instituto Histórico de São Paulo. Acresce que, em abono de
nossa tese, o clube deveria ser, como realmente foi, localizado na margem
esquerda dessa correnteza. Logo, nossa idéia, sem ser despicienda, era
corroborada pelas circunstâncias do meio ecológico e tinha
a seu favor
razões históricas dignas
de aceitação.
A essa altura, ao lado de fartos aplausos colhidos,
surgiram debates contrariando nosso ponto de vista, ocasião em que foi
alvitrado consultar-se o ilustrado poeta tanabiense Mello Macedo a fim de que
este apresentasse proposta contendo o desejado topônimo. Ato contínuo, o
festejado autor de “Arribada”, num momento inspirado, sugere a nominata “Clube
dos Tangarás”, alusão à famosa ave canora que no recesso da floresta brasileira
executa incrível coreografia, verdadeira “avis rara” no campo da ornitologia
universal, aplicada, essa denominação, “mutantis mutandi”, ao fim que se tinha
em mira: danças e diversões.
Tangará é nome genérico das avezinhas da família de
dançadores, ou tanagras. A pipra longicunda é de cor azul celeste pelo
lado abdominal e, no dorso, tem a cauda e as asas pretas, tendo no cocuruto um
círculo ou coroa de magnífica e brilhante
cor vermelha, conforme T eschauer.
Posta em discussão ambas as propostas foi aprovada a
sugestão de Mello Macedo, conforme a
ata respectiva.
Passou, então, “Clube dos Tangarás” a designar o novo
centro de diversões, e realmente expressa um dos mais formosos toponímicos que
nomeiam entidades dessa natureza, pelo que, registramos aqui, neste
desconchavados comentários, as nossas
homenagens ao seu
idealizador.
Tanabi, 13 de junho de 1965.
Fundação de Votuporanga
Testemunha ocular da história, eis-me aqui a recordar
os fastos comemorativos da fundação de Votuporanga, no ano do cinqüentenário,
para consignar meu depoimento pessoal referente aos fatos que antecederam ou se
sobreporão à fundação da urbes, ou seja, os primeiros rudimentos da instalação
humana nos contrafortes dos grandes imóveis rústicos Marinheiro e Viradouro, em
pleno deserto ecumênico onde só haviam esparsos vestígios de penetração e a
rara presença de pioneiros
como Sebastião de
Lima Braga e
outros.
Vamos, porém, aos fatos: o Cel. Francisco Schimit, terra
teniente em Ribeirão Preto e proprietário de uma gleba inexplorada de treze
mil alqueires de terras, nesta região, viu-se, de um momento para o outro,
compelido a desfazer-se de seus bens por insucesso no mercado cafeeiro, sendo
obrigado a entregar as terras do Marinheiro, no Município de Tanabi à firma
Theodor Wille & Cia., magnata do mercado de Santos, em pagamento de seu débito.
Levados a bom termo as negociações, Carll Helwig, sócio-diretor, houve por bem
juntar-se a Guilherme Vom Trumbach, também residente no litoral, surgindo daí a
Empresa Retalhadora de Terras, que teve a incumbência de promover o loteamento
de toda a gleba em lotes urbanos e rurais, estes com 5, 10, 20, ou 50
alqueires, que seriam vendidos a preços razoáveis e pagamento a prazo, ficando
decidido a implantação de um “patrimônio”
no divortium aquarium
dos rios Turvo e Dourados; Diversos agrimensores foram incumbidos de planificar
o loteamento, em plena mata virgem, por onde passava velho caminho ligado à
Boiadeira, em direção ao Porto Taboado, no rio Paraná. Foi adrede providenciada
a abertura de ruas e praças destinadas ao futuro povoado e foi lembrado, pelos
diretores, reunidos na sede da fazenda, onde também se achava o Sr. Germano
Robach, qual o nome de batismo do povoado a ser fundado. Germano, amigo e
compatriota dos empresários, convidado a se definir, alvitrou meu nome como
pessoa capaz de encontrar um topônimo expressivo para designar o local, tendo,
na ocasião, mencionado meu nome como conhecedor do tupi-
guarani e membro do
Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, além de Tabelião de
Tanabi.
Posta em discussão essa idéia, foi, logo,
unanimemente aprovada e, dias após, ciente de minha escolha para esse desideratum,
seguimos, eu e Germano, a cavalo, perlongando picadas recentemente restauradas,
pelas lindes da grande
gleba agrária, em busca de elementos que nos autorizassem a fazer a escolha pretendida. Em determinado momento, numa encruzilhada, divisando, no chão revestido de húmus, uma tabuleta semi-destruída pelos cupins e que trazia, em seu bojo, tosco letreiro assim expresso “Faz. Votuporanga”; chamado o meu companheiro, disse lhe: Eis aqui o nome ambicioso do que foi outrora a designação do imenso imóvel rústico, já aprovado pelos antigos da fazenda, e que trazia em seu conteúdo um significado expressivo da língua tupi-guarani, a língua dos aborígenes, primitivos habitantes do Brasil, a significar “bons ventos, brisas suaves,” tal qual Buenos Aires no sul do continente.
Ato contínuo, regressamos para a sede do
empreendimento, onde apresentamos o vocábulo escolhido, “Votuporanga”, o
encontro fortuito da tabuleta e o seu significado, o qual foi unânime aprovado,
quer pelos diretores, quer pelas pessoas presentes. Foi, então, escolhida e
fixada a data da fundação da localidade: 08 de agosto de 1937. Nessa data,
previamente chamado, Pe. Isidoro Cordeiro Paranhos, vigário de Bálsamo, oficiou
a missa inaugural, presentes regular numero de convidados, inclusive o Prefeito
de Tanabi , Sr. Manoel Garcia de Oliveira,
os diretores da firma
Carll Helvig, Dr. Guilherme Vom Truembach, Sr. Otto Richter, Gilberto Sampaio
Vidal, deputado e advogado dos empreendedores. O local escolhido para implantação
da vila, na quadra em frente a atual e imponente Igreja Matriz, foi construído,
provisoriamente, um pequeno rancho de madeira branca, tirada da mata derredor,
coberto de folhas de coqueiro. Rezada a missa, ao som de acordes musicais
(pois achava-se presente a Banda Municipal de Tanabi),
vivas, discursos e grande
regozijo popular, estava fundada Votuporanga e, logo a seguir, nos dias
vindouros, foram iniciados os trabalhos de desobstrução das vias públicas,
abertos os primeiros poços e edificados os prédios para a escola municipal e
primeiras vendas que aí se instalaram, inclusive para residência de famílias
dos pioneiros. O afã se instalou no povoado: pessoas cavalgando alimárias, em
carrinhos e carroças, alguns “pés-de-bode”, jardineiras etc, num verdadeiro “rush”,
compravam lotes e neles foram iniciando benfeitorias para sua instalação. O
entusiasmo era geral e a fama do “pueblo” era um incentivo para a vinda de
novos moradores, e foi assim que se expandiu derredor, sendo certo que se deve
aos caminhoneiros e viajantes a propagação imediata do vocábulo por todos os
recantos do Brasil, num frêmito de propaganda invulgar, tal qual foi observado
nos Estados Unidos quando todos se dirigiam para o interior do país em busca de
ouro, petróleo e outros incentivos.
Aos poucos vai-se adensando o povoado, instala-se a 2º divisão distrital, o comércio se anima, centenas de escrituras são lavradas, legalizando-se os terrenos adquiridos e negócios entabolados. Mas “nem tudo que reluz é ouro”, lá diz o brocardo e, em dado momento, tremenda seca na região torna a vida dos habitantes de Votuporanga difícil e precária por absoluta falta de água em poços e cisternas, e o desânimo se instalou entre os ádvenas. Entretanto, como tudo tem um término, a seca passou, mas, logo em seguida, nova calamidade ocorreu e assim cessou a tranqüilidade dos votuporanguenses; um fato novo aconteceu:com o término da Segunda Guerra, o Brasil adere aos Aliados, sendo confiscados todos os bens dos súbditos do eixo, inclusive da fazenda “Marinheiro”, onde Votuporanga tinha sua sede. Nesse ínterim, o Governo Federal nomeia uma comissão para administrar esses bens, a qual encarregou o Cel. Alcides Rodrigues de Souza de gerir os negócios do imóvel e sua respectiva sede municipal. Surge, de inopino, uma demanda de terras que desde 1924 se achava incubada na então comarca de Jaboticabal; caminha, a seguir, pela comarca de São José do Rio Preto, vindo, posteriormente, para os auditórios da comarca de Monte Aprazível que abrangia, na época, o município de Tanabi, com trânsito judicial, culminado em despejo em massa contra todos os moradores, donos de lotes e datas, com suas respectivas construções, chácaras e fazendolas, despejos esses efetuados manu militares por pelotões de captura da Força Pública do Estado, acolitados por oficiais de justiça que alegavam resistência dos executados. Foi um “Deus nos Acuda”: o clamor público refletido nos jornais do interior e da Capital alertaram o Governo, e o Poder Judiciário tomou imediatas providências, suspendendo o despejo e promovendo uma correição geral na comarca de Monte Aprazível o que resultou na punição dos culpados e na paz dos habitantes do núcleo demandado, sendo de ressaltar a atuação enérgica e patriota dos advogados Felizardo Calil e Ziegler de Paula Bueno, que se colocaram ao lado do povo; mais tarde, o Tribunal de Justiça reconheceu os direitos da população, com prejuízo total para os “grileiros” e traficantes que aí se instalaram como abutres insaciáveis. Na reforma Administrativa Qüinqüenal foram criados, num só dia, o município e a comarca de Votuporaga, o primeiro instalado em 01 de janeiro de 1945 e esta, a seguir, no mesmo ano. O primeiro prefeito nomeado foi Francisco de Vilar Horta, antigo tabelião em Américo de Campos; Nelson Ferreira Leite, de saudosa memória, foi o juiz de direito da novel comarca, que foi criada sob os auspícios do Interventor Fernando Costa com o beneplácito do Secretário da Justiça, Dr. José Adriano Marrey Júnior. Instalaram-se escolas, estabelecimentos bancários, repartições públicas e executaram-se obras de infra-estrutura na cidade: luz elétrica, água e esgotos, guias e sarjetas, aprimoraram-se as instalações de casas comerciais e residências, grandes indústrias aí se localizaram e a cidade uma potência em ritmo de um grande e notável empório regional, tornando-se conhecida e admirada nos quatro cantos do país e do exterior.
Cumpre referir aqui, ao término destas notas, que além
do nome escolhido para a povoação, também contribuímos, modéstia à parte, com a
elaboração do Brasão de Armas da Cidade, estilizado que foi pelo artista plástico
Itajay Martins, que então lecionava em estabelecimentos de ensino de
Votuporanga, atualmente residente na capital; Brasão de Armas esse que foi
unanimemente aprovado pela Câmara Municipal local, nada obstante nossos parcos
conhecimentos de heráldica.
Segue-se, agora, pequena nominata de pessoas que tomaram parte na fundação da cidade, e também primitivos habitantes que fizeram e fazem o engrandecimento desta terra, um dos mais destacados centros geográficos do oeste paulista.
Dr. Carll Helvig e senhora; Dr. Guilherme Vom
Truembach e senhora; Dr. Gilberto Sampaio Vidal e senhora, residentes em Ribeirão
Preto; Sebastião Almeida Oliveira e senhora dona Carmen Vargas de
Oliveira, residentes em Tanabi; o primeiro, membro do Instituto Histórico e
Geográfico de São Paulo e de várias instituições literárias e científicas do país,
que escolheu o nome de Votuporanga e de seu Brasão de Armas; Manoel Garcia de
Oliveira, prefeito de Tanabi e que acompanhou a implantação da nova comuna;Francisco
de Vilar Horta, antigo morador na região, tabelião em Américo de Campos e
primeiro prefeito municipal de Votuporanga; Sebastião de Lima Braga,
administrador da firma Francisco Schimitd na região e antigo morador no local;
Demétrio Acácio de Lima, fazendeiro nas cercanias;Ten. José de Souto
Cirne, atual diretor da Banda Municipal de Tanabi, onde reside, e um dos
fundadores e dirigentes da Orquestra Sinfônica de São José do Rio Preto;
Pe. Isidoro Cordeiro Paranhos, vigário de Bálsamo e que oficiou a missa campal
de fundação de Votuporanga; Guntel Schamall, ajudante de agrimensor e sua
mulher, professora Olga Faria Basílio, sendo esta a primeira pessoa que
lecionou na escola improvisada e que funcionou logo a seguir à fundação; Abílio
Franco, professor de primeiras letras e que se propôs lecionar de graça na
localidade; O irmão do Pe. Isidoro, cujo nome nos escapa, e que foi o primeiro
comerciante no local; Antonio Marin, um dos primeiros adquirentes de lotes na
povoação, cujo nome figura como bairro na cidade; José Abdo Alfagali, também
dos primitivos comerciantes; pai do tabelião Aziz José Abdo; João Batista
Budin, que, após sua vinda para o burgo, construiu vários prédios na cidade;
Germano Robach, agrimensor e construtor da primeira olaria nos arredores da
cidade; foi ele que sugeriu a indicação de nosso nome como apto para descobrir
um nome original para a cidade projetada; Prof.Wolfrang Wehinger, renomado
musicista e sua esposa; Cristian Waideman, proveniente de Mirassol;
Francisco de Souza, padeiro em Tanabi, e que fundou a primeira panificadora da
cidade; Manoel Ramalho Mata, fundador do primeiro cinema da cidade; João
Batista Gonzáles e seus irmãos, que se tornaram proprietários aqui; Braz Vita,
procedente de Araraquara e Mirassol; foi um dos impulcionadores da
localidade; Germano
Pernica, hábil carpinteiro e construtor de prédios; Otto Pinckwart, também
carpinteiro e companheiro de Pernica, ambos procedentes de
Tanabi;
Tanabi, década de 80.
Dia da fundação da cidade de Votuporanga: 08/08/1937. Dentre osfundadores destacamos Sebastião Almeida Oliveira.
Na seara imensa do folclore
Na seara imensa do folclore, há muito o que respigar,
e nela a superstição figura como um dos self-repeting process dos mais
corriqueiros e iterativos.
A própria etimologia da palavra exprime a idéia de
sobrevivência ce qui persiste dês anciens ages e De la Sagesse, citado
por Sebillot, doutrina que a superstição popular vient de falblesse d’âme, d’ignorance
ou néconnaisse de Dieu bien grossière; dont elle se trouve plus volontiers aux
enfants, femme, vieillards, malades assaillis et battus de quelque violent
accident. Inclinant natura ad superstítionem barbari, escreviam os latinos,
pensando de igual modo. Selvagens, bárbaros ou civilizados, homens, enfim,
possuem uma alma coletiva onde repousam as próprias superstições, crendices, as
suas formas de arte ou de ciência elementares que lhes dão a intuição do mundo
anterior, preliminares e precedentes às criações pessoais mais tardias da ciência
abstrata ou da arte culta, acrescenta João Ribeiro.
Costumavam os gregos pôr uma moeda nas mãos de seus
mortos, justamente antes do enterro. Essa moeda serviria, diziam, para pagar
sua passagem pelo Stix, rio mitológico do inferno.
Revivescência desse costume ancestral fomos colher,
entre nós, no uso de colocar, na boca de um assassinado, determinada moeda,
gesto esse que obriga o homicida a apresentar-se às autoridades.
As loiras filhas de Albion jamais limpam o cisco da
porta de frente de suas vivendas. Fazer isso, acreditam, é atrair má sorte para
o seu home. Nesse caso, nossas patrícias são bem menos exigentes e pouco
se atém com a varredura portas afora, mas instintivamente evitam varrer a casa
ao sol posto ou na sexta-feira “maior”.
Destruir baratas é contribuir cegamente para a sua
propagação, explica um conceito popular e, para nos livrarmos desse inseto ortóptero,
nada mais fácil que colocá-lo numa caixinha e deitar esta num caminho: aquele
que a encontrar levará para sua
casa essa imundícia
de asas.
Idêntico processo aplicam gregos e troianos para afastarem ratos de um local: por meios “amigáveis”, solicitam em carta escrita, colocada sobre uma pedra, a “ter a bondade de abandonar aquele campo e passar ao vizinho”.
Para cura da febre, usavam os romanos garantida
mezinha: Cortavam as unhas do paciente e pregavam as aparas, com cera, sobre a
porta da casa contígua antes do nascer
do sol.
Os bosquímanos da Austrália cortam as unhas de seus
mortos com medo que, se assim não fizerem, os cadáveres possam esgaravatar um
caminho para fora da cova
e vir assombrar
os vivos.
Os japoneses, porém, evitam cortar unhas à noite com
receio de encontrar garras de gato
na ponta de
seus dedos ao
amanhecer.
Quanto a nós, destacamos a inibição de cortar unhas
na sexta-feira, no pressuposto de que o demônio leve as aparas para seus domínios,
onde aguardará a alma de
seu portador.
Os naturais do Eire, pacíficos irlandeses de incríveis
vestimentas, impedem, a todo custo, a entrada de pintarroxo em suas residências,
por acreditarem que ele lhes trará pesadas chuvas ou neve. Nesse ponto somos
mais condescendentes: achamos que a visita de um beija-flor aos nossos
aposentos prenúncio é de
felicidades, principalmente se ele tiver
a cauda branca.
Nossa boa gente campezinha evita atirar fora pedaços
de pão, porque, adiantam, este foi abençoado por Deus, simboliza a abundância e
pô-lo fora é atrair a miséria. No século XVI, aquele que asistiu aos grandes
descobrimentos, os pacatos camponeses costumavam aspergir com água benta a
massa do pão antes de levá-lo ao fogo. Em nossos dias, guardando esse mesmo
rito, em muitas casas onde se cozem pão, é habito cortá-lo em forma de cruz
antes de ser enfornado, para melhor
crescer a levedura.
A maioria dos fornos populares tem a forma
arredondada; dizem que esse tipo de construção provém dos africanos, que
preferiam essa forma à quadrada, porque,
nesta, os maus
espíritos podiam esconder-se
com facilidade.
Tanabi, 28 de março de 1942.
Religião e folclore
Por baixo da capa do cristianismo, palpita muito vivo
o coração do paganismo, escreve Leite de Vasconcelos, o saudoso compilador das
tradições portuguesas, e fá-lo com linguagem própria e perícia costumeiras,
dado que a religião popular repousa num misto de crendices supersticiosas onde é
difícil separar o divino do profano, mormente nas regiões pioneiras, lugares em
que perdura uma religião feita de mitos, crendices, promessas, práticas
ineficazes, fanatismo e preconceito. Desse rol de abusões e preconceitos,
colhidos diretamente da alma popular, emergimos triunfantes da “racclota”,
registrando, a seguir, uma das mais típicas manifestações do opulento folclore
regional.
1 - Não se deve atirar ao lixo ou deixar cair pão no
solo, porque isso atrai miséria e é
pecado (de pão
se faz a hóstia).
2 - Cuspir na água, profanado-a, não é aconselhável,
porque com ela fomos batizados.
3 - É pecado negar de servir, na qualidade de
padrinho, a quem quer que seja, principalmente à gente de cor; falta tão grave
só poderá ser remediada paraninfando
consecutivamente sete pimpolhos
“coloureds”.
4 - Criança que expira antes do batismo não vai para
o céu e, sim, primeiramente, para o Limbo, e junto ao seu túmulo ouvem-se, anos
a fio, choros plangentes.
5 - Filho não pode fumar diante dos pais porque, na
outra vida, densa cortina de fumaça
separará uns dos
outros.
6 - É pecado negar de vender toucinho a gente
necessitada.
7 - Árvores maninhas frutificam quando surradas na véspera
de São João.
8 - São tentadas pelo Demo famílias cujos nomes e
apelidos coincidem e se repetem.
9 - O uso de
bentinhos ao pescoço, em forma de escapulário, é seguro antídoto contra
mau olhado, inveja
e outros efeitos
maléficos.
10 - Para debelar impinges e outras afecções cutâneas,
nada mais infalível que circundá-las
com a frase “Ave Maria”.
11 - Oração de São Marcos, trazida como num patuá,
confere ao portador valentia e denodo;
é o talismã
dos valentes.
12 - Diabo não entra em casa que tenha, em suas
portas, desenhos representando a cruz
de Salomão.
13 - É aconselhável não empreender viagem em
Sexta-feira Santa; igualmente, não se deve trabalhar na primeira segunda-feira
de agosto, dia aziago por excelência.
14 - Quem quiser achar objetos perdidos, basta
invocar em altas vozes a São
Longuinho, que é
o padroeiro das
coisas desaparecidas.
15 - Livramo-nos de cobras e outros bichos perigosos
recitando o versículo seguinte: “São Bento, São Bento, livra-me deste bicho peçonhento”,
sabido é
que esse maioral
da Igreja comanda
os répteis venenosos.
16 - Um ovo ao relento, em homenagem a Santa Clara, faz aplacar a chuva; desenhar no chão a efígie do sol conduz a idêntico resultado.
17 - Não
presta atirar em urubu: dá azar, e em pomba por ser esta a imagem do Espírito Santo.
18 - Pecado é negar de oferecer nossa mão a quem nos
cumprimenta. Um shakehands nada custa...
19 - Não é de bom alvitre cortar as unhas na última
semana da quaresma; o demo, que é sorrateiro, leva as aparas para o inferno,
onde estas aguardarão seu possuidor.
20 - Arrisca-se a ficar cego aquele que trabalha em
dia de Santa Luzia; no caso de qualquer afecção ocular, mesmo invocada não nos
atenderá a santa padroeira dos olhos. Prevenindo represálias, nossa gente
dantes prefere burlar o descaso dominical do que infringir o preceito em dia
santificado de sua devoção.
21 - Comprar estampas ou imagens de santos não é
permitido; quando muito poderemos trocá-las; sagrado eufemismo que
acoberta transações dessa natureza
em que os
mascates são peritos.
22 - Não presta deixar a mesa posta longo tempo após
as refeições, porque o Anjo
da Guarda, aí
presente, não se
retira.
23 - Mulher no período lunar está impedida de
comungar. É pecado.
24 - O remoinho é produzido pelo saci pererê em suas
costumeiras diabruras. Temos aí um vestígio de animismo primitivo, segundo o
qual havia espíritos que produziam os fenômenos da natureza, (L.Vasc, “Opúsculos).
25 - Para o sabão de cinza não “desandar”, é bom
fazer uma cruz no
fundo da vasilha.
26 - Sonhos os mais lindos terá a moça que puser três
rosas debaixo do travesseiro na véspera
de Santo Antônio.
27 - A simples invocação dos nomes de Santa Bárbara e
São Jerônimo, padroeiros das tempestades,
faz aplacar os
revoltos elementos.
28 - Cruz em frente da habitação protege o dono
contra as tentações do Tinhoso.
29 - Colocar amuletos de cera em cruzes de beira de
estrada é meio aconselhável para obter cura de membros atrofiados por feridas e
moléstias repugnantes.
30 - Antes dos sete anos, as crianças são
consideradas anjos e tem, por esse motivo, o condão de ver as almas dos
entes que morrem, quando estas sobem para o céu, logo após o trespasse,
perdendo, no entanto, essa regalia do septenário em diante.
31 - Credo recitado “às avessas”, isto é, invertido,
dá-nos a visão do Coisa-Ruim; rezado de costas afasta o sono e, proferido com
muita devoção, ajuda o cavaleiro a suster-se
na sela ainda
que o animal
seja bravio.
32 - Qualquer desejo poderá ser realizado pondo-se a imagem de Santo Onofre numa vasilha contendo aguardente e renovando-se esta até conseguir o almejado.
33 - O aperto de mão, cruzando os braços, num
encontro de quatro pessoas, dá azar; desmancha o casamento dos casados e
atrapalha o dos solteiros. O vulgo
teme o gesto
cruciforme.
34 - Não presta olhar para trás quando se faz
a via sacra em Semana Santa;
arrisca-se ao apedrejamento
por mãos invisíveis.
35 - Reses nascidas em noite de São João soem trazer
em seu estômago pedras que o vulgo crê encantadas, e quem as encontrar
pode estar certo de que possui o talismã
da boa sorte.
36 - Restos da fogueira joanina servem para aplacar a
fúria dos elementos; queimar palmas bentas em domingo de Ramos conduz a
semelhante resultado.
37 - Cura-se o sapinho ou aftas colocando-se a
chave do sacrário na boca do recém-nascido.
38 - As manchas da lua em plenilúnio formam a imagem
de São Jorge a cavalgar fogoso ginete e, de lança em riste, combate o dragão
que ameaça destruir a terra, diz
conhecida lenda popular.
39 - Santo Antônio é o protetor da gente casadoira;
mas quantas vezes as moças fazem-no descer, de cabeça para baixo, ao fundo dos
poços, ficando sua imagem em tão lôbrego
sítio até que
o milagre se
produza?
40 - Todas as danças são invenções diabólicas, exceto
o cateretê, acredita o sertanejo brasileiro, porque esta foi abençoada e
até praticada por Jesus quando em
sua peregrinação terrestre.
41 - O patrocínio dos morféticos foi confiado a São Lázaro,
que protege especialmente os seus xarás; daí a grande abundância de nomes dessa
natureza na zona rural, onde é crença de que apor o apelativo Lázaro nos
rebentos é preservá-los,
seguramente, do morbus
infeccioso.
Tanabi, 21 de dezembro de 1942.
Superstições Joaninas
O povo nunca perde totalmente o seu patrimônio de
crenças; transforma, adapta, acrescenta, escreve um grande cultor da etnologia
portuguesa; daí o constante renovo da superstição em geral, particularmente a
que se prende ao onomástico de São João, a propósito do qual circulam, em
trevas brasileiras, crendices que a fantasia alindou e a tradição oral veio repetindo até nossos
dias. Dentre elas, a mais conhecida é a que tem por cenário os bucólicos
recantos da
bíblica Judéia. Anunciado pelo milicianos da corte celestial nascera o meigo bambino JESUS e Nossa Senhora foi com ele à casa de sua prima Santa Isabel, que a esse tempo esperava o Batista, o qual, ainda no ventre materno, ajoelhou-se para saudar o pequenino Redentor do Mundo. Inteirada a Virgem do que ocorrera, pediu esta um sinal quando viesse o nascimento, ao que respondeu a Santa: “Mandarei plantar, no alto da colina, um mastro com uma boneca e mandarei acender uma grande fogueira”, de onde se originaram essas ígneas festanças, anualmente repetidas, de luminárias e fachos, encantadoras piras ardentes em que até as sobras do lume, e as próprias cinzas, servem para aplacar as fúrias da natureza.
Veio à luz o Precursor;
Nossa Senhora, tão logo avistou as volutas de fumaça no alto do morro,
imediatamente seguiu para o local a fim de vê-lo. Algum tempo depois, o menino
perguntou a Santa Isabel: “Minha mãe, quando é o meu dia?” e esta lhe
respondeu: - “Quando for o teu dia, eu te avisarei, meu filho, dorme”. Dormiu
infante e só acordou quando já São Pedro era festejado. Novamente indagou
quando era seu dia, tendo, como resposta, estas palavras: - “O teu dia já
passou, meu filho.” —“Ora, minha mãe, por que não me disse, que eu queria
brincar.” —Dizem que, se ele soubesse, ficaria orgulhoso com as festas que lhe
fazem, ou, então, que o
mundo pegaria fogo
de uma vez...
Dessa adorável lenda outras nasceram. Há uma
profecia, de mil anos, quando a alma humana estava cheia de bruxedos, abusões e
mitos, que vaticina o fim do mundo para quando o dia de São João (o maior do
ano, na concepção popular) coincidir com a celebração do Corpo de Deus. E esse
horrível evento ocorreu neste ano da graça de 1943, mil novecentos e quarenta e
três após o nascimento de JESUS, dando ensejo ao aparecimento de interessantes
superstições correntes na região sertaneja, onde laboramos, todas relacionadas
com o
tema joanino.
Assim é que, dois de junho, aerólito de grandes
proporções riscou os céus brasileiros dirigindo-se para o norte. Esse
fulgurante meteoro, qual alígero fogo de artifício, em sua momentânea trajetória
pelos domínios do ar, espargiu, em derredor, vistoso feixe de luz
multicolorida, secundado, daí a instantes, por espetacular ribombo, desses que
o vulgo costuma batizar de “trovão em seco”. Fenômeno trivial ao que dispõe de
dois dedos de erudição e conhece, ainda que pela rama, os rudimentares segredos
da astronomia, causou ele, como soe acontecer em casos tais, profunda impressão
no seio da população campezinha que, supersticiosa por excelência, nada, ou
quase nada, percebe desses espetáculos pirotécnicos das alturas, mas, com a
imaginação ferida, liga-as a prognósticos de nenhum modo favoráveis à continuação
da vida neste vale de lágrimas. E tivemos, então, oportunidade de anotar
deliciosas narrações que circulam entre os crentes e cultores do preconceito.
Diziam alguns que essa estrela cadente é núncia de pragas, desgraças,
calamidades e outros meios de extermínio,
inclusive revoluções, e veio logo a pronunciamento argentino para confirmar; outros, mais prolixos, adiantaram que nessa noite fatídica veio ao mundo uma criança que, instantes após seu advento, sem outras cerimônias, sentou-se no leito e daí afirmou, alto e bom som, para quem quisesse escutar, que a atual guerra duraria pouco tempo... justamente porque o mundo, este velho e carcomido globo em que habitamos, ia se acabar precisamente no dia de São João, por coincidir a data aniversária do Batista com a festa de Corpus Christi. E o anunciado fim dar-se-ia por forte tremor de terra que tudo destruiria. Salvos do cataclisma seriam somente aqueles que possuíssem, em seus lares, a medida do corpinho do recém- nascido. E foi um rol interminável de medidas que célere se espalhou por todos os recantos rurais, vindas não se sabe de onde, mas religiosamente guardadas, até previstas para que, na hora crucial, não fossem pilhados desprevenidos os míseros mortais. Mas, desprestigiando-a aos olhos do vulgo, outras lendas mais jocosas foram geradas pela imaginação popular e houve que dissesse, com desplante e irreverência, que esses curtos fios de linha assinalavam exatamente a medida de um papo de velha!... Quem a possuísse consigo, na noite encantada de São João, nada teria a temer, ao passo que, o descuidado que a perdesse, ou viesse a queimá-la, esse ficaria, irremediamelmente, dessa data em diante, para todos os efeitos das leis sobrenaturais, herdeiro e detentor do gigantesco “papo de cordão”. Por via de dúvidas, muitos foram os que não facilitaram e muniram-se previamente do milagroso fio...
Já vai longa, porém, esta parlenda e convém encerrá-la, suavizando tão enfadonhas previsões com o registro de doces cantigas que a gente do povo costuma entoar em louvor ao venerado Santo no dia de seu genetlíaco:Se São João soubesse
Descia do céu à terra
Com prazer e alegria.
Donde vindes, São João,
Pela calma, sem chapéu?
- Venho de apagar as velas
Que se acenderam no céu.
Ó meu São João,
Eu vou me lavar;
Se eu cair no rio,
Mandai-me tirar!
Capelinha de melão
É de São João;
É de cravo e de rosas
É manjericão!
Tanabi, 24 de junho de 1943.
O alecrim no folclore
Planta da família das
labiadas, o alecrim, Rosmarinus officinalis, Lineu, deve seu nome à raiz
Rhos marinum, de rosée de la mer, rocio do mar e goza, na boca do povo,
de virtudes mágicas como preservativo eficaz para afugentar todos os males do
corpo e do espírito. Seu olor agradável desvia o mau-olhado, acalma doenças do
coração e, por isso, sua presença é quase obrigatória na habitação rural.
Alecrim verde arrancadoDura só quarenta dias, Assim trago no meu peitoEsta grande tirania.Alecrim tem vinte folhasE a roseira dezesseis,Ou me ames com firmeza,Ou desprezes de uma vez.Alecrim verde arrancadoNa tua mão reverdece;Quem eu quero não me quer,Quem me quer não me merece.
Essas quadras, por nós
recolhidas na região que habitamos, semelham outras de vários quadrantes e, até,
alienígenas, todas enaltecendo qualidade, apregoando virtudes do lendário
rosmaninho. Ambos enaltecendo o poder medicamentoso do alecrim, presença
constante na bruxaria portuguesa e ibero-americana, contribuinte permanente e
jamais olvidado do folclore brasileiro.
Tanabi, 10 de fevereiro de 1962.
A casa do sertanejo
brasileiro
Reflexo da zona natural em que se levanta, a casa do sertanejo é construída com material que lhe faculta o meio, diferindo em cada região os tipos e estilo em uso, mas encarna sempre a própria história da formação brasileira. Assim, no Amazonas, as construções primitivas são feitas de piso suspenso por causa do charco quase generalizado, e suas três paredes, teto e assoalho feitos de palha tecida ou lisa, geralmente folhas de palmeira ubussú e assai; outras vezes constam de barracões rústicos vedados por ripas de paxiúba e desprovidos de todo o conforto e segurança, moradia típica do seringueiro nômade; ao Nordeste, refletem as habitações os característicos da flora local, em que predominam os babaçús, carnaubeiras e vastos coqueirais; aí as casas são feitas com armação de madeira e telhado de palha, algumas barreadas, das quais é tipo o mocambo, casas que indicam a inquietação e a infixidez de quem estava partindo e voltando a cada momento, na aguda observação de Cassiano Ricardo; já na região centro-leste do país, na qual habitamos, São Paulo, Minas, Mato Grosso, Espírito Santo, Rio e Sul da Bahia, impera o pau roliço nas construções rurais, sendo que, em muitas delas, a própria porta é de pau roliço natural; são edificações batumadas de barro vermelho, ao qual se junta estrume de curral, tendo, por cobertura, as mais singelas o sapé, e as melhoradas a telha vã, com assoalho sem revestimento; são as chamadas casas de pau-a-pique, feitas de grosso esteios de aroeira, madeira preferida porque dura mais de cem anos, esteios roliços ou lavrados a machado tendo paredes de varas trançadas com barro “batido a sopapo” e, quando o dono é “caprichoso, o barro é alisado recebendo, então, leve camada de reboco e pintado de ocra com bizarros desenhos de plantas e animais; na região sulina, o Paraná como centro, as casas são construídas de madeira serrada, pela abundância de pinho; paredes, teto e piso são revestidos desse material, dando-lhes um aspecto típico e inconfundível; aí, como aliás em outros lugares, registram-se habitações bastante rudimentares, consistentes em ranchos mal acabados, cabanas de palmeira cobertas de folhas de faciroba.
A grande maioria das habitações do Brasil é construída
de barrote, observa Roy Nash; telhado de duas águas, raro de quatro, e todos
com manso declive; poucas divisões internas, geralmente uma sala, um só quarto;
cozinha em forma de puxado, compartimento escuro e mal ventilado com portas e
janelas de pequenas dimensões; grande é o número, em certas regiões, das que
ostentam, como paredes e tetos, esteiras e caniços de palha tecida, mister em
que há muitos peritos; este tipo, para dimensões e cobertura é bastante
adequado ao clima tropical. Casas construídas de adobe, isto é, um tijolão
feito com terra fraca e sem fogo ao qual se adiciona, muitas vezes, para
dar-lhes maior consistência, capim cortado em pedacinhos e, além dessas, há as
paredes de taipa, feitas depois da cobertura com um caixão de tábuas onde se
vai socando o barro que será, depois de seco, a parede; nesse estágio do barro
socado, “refúgios construídos do mesmo barro triste das montanhas”, porquanto
de barro são feitas as paredes onde proliferam parasitas, de barro é o chão
batido, e o próprio telhado é de barro cozido. Quase todos esses tipos, por
suas condições insalubres, má disposição arquitetônica e outros múltiplos
fatores contrários, tornam-se desaconselhados para o soerguimento de nosso padrão
de vida campesina e, em nenhum caso, ambiente propício à existência vegetativa
do trabalhador brasileiro. “Casa de cachorro” crismou-a o romancista José Lins
do Rego citação de Tavares de Almeida num belíssimo apanhado de sociologia
regional onde verbera nosso procedimento para com o trabalhador da gleba, pária
abandonado nas casas de colônia, a mais das vezes pardieiros acasalados e
infectos, ou no retiro distante e primitivo do peão e do campeiro de gado.
De cabanas de sapé, capim e folhas de coqueiro,
madeira roliça amarrada com cipó e, cobrindo-a, camadas de barro cru e
queimado, materiais extraídos com relativo trabalho da mata circunjacente, de
casas desse gênero está semeado o Brasil inteiro, não há contestar. São elas idênticas,
em muitos portos, às choupanas da Inglaterra medieval, semelhante às choças de
colmo usadas no tempo dos
romanos pelos invasores sarracenos. Em geral é péssimo o viver de nosso caboclo; assim, levanta, para sua moradia, não um conjunto residencial onde o conforto, o bom gosto e a higiene tenham guarida, mas antros imundos onde se tem receio de permanecer, dada a miséria reinante; e pousar neles, sobre constituir temeridade, tornar-se-ia real suplício, dada o incômoda companhia de insetos parasitas que tem no “barbeiro”, na “chupança”, nas pulgas e seus afins o protótipo da perniciosa raça geradora de males incontáveis. Antes de tudo, o sertanejo é um forte, já afirmara, de uma feita, o imortal Euclides da Cunha, e afirmou com muita razão visto que, se assim não fosse, acabaria sucumbindo às inclemências e adversidades do meio, à rudeza extrema de seu viver primeiro.
Cumpre atentarmos, como lição a aprender, no exemplo
dos camponeses de Santa Catarina que, lidando os mesmos materiais que nós
usualmente empregamos, conseguiram edificar habitações confortáveis e até artísticas;
casas de campo, de tijolo vermelho e madeira pintada a preto, uso de chaminés,
banheiros etc., tudo isso em flagrante contraste com o tugúrio pouco recomendável
de nosso caipira, morando sempre em casas provisórias, que nunca torna
definitivas, em cafuas, mocambos, ranchos, taperas, choças e cochicholos, mal
ambientados, em suma, e onde
a palavra lar não tem
aplicação.
Não se devem violentar as tradições, o caráter e as
tendências do povo, ensina o leader da sociologia nacional, Gilberto Freire,
mas simplesmente orientá-lo, aproveitando e utilizando tudo o que for útil e
prestadio, tudo o que as experiências de quatro séculos nos oferecem e
desprezando o rotineiro e prejudicial, traçar novos rumos no sentido de dotar o
brasileiro do campo de habitação condigna ao nosso max e às nossas condições de
vida. A casa do rurícola deve reunir o maior número possível de material e
elementos de construção tradicionalmente
brasileiros, concluímos, parodiando
Contreras, no México.
Encerramos estas linhas pensando, como o autor de “Sobrados
e Mocambos”, que só o aumento da capacidade de aquisição por parte dos
brasileiros que se alimentam mal, que andam descalços; que vivem em habitações
a que ninguém é dado lobrigar rudimentos de higiene, poderá resolver esse
complexo problema, o da habitação rural, que tão poderosa influência exerce
sobre o homem.
Tanabi, 20 de julho de 1940.
Carro de bois
O carro, em si, compõem-se de: rodas e mesa.
As rodas são compostas de três peças de madeira
resistente, geralmente cabreúva, ou bálsamo, ipê etc.; a do centro tem o nome
de meão; as laterais chamam-se cambotas; por sua vez, as cambotas
são ligadas internamente por outra peça de madeira denominada arreia em
número de duas; as pontas do eixo que atravessam as rodas são ligadas
externamente, para não se abrirem, por meio de dois ferros com pontas
mergulhadas na madeira e que tem o nome de gato; duas cavias
prendem as rodas ao eixo; junto à extremidade das rodas, uma carreira de pregos
pontilhados, servindo de enfeite, toma o nome de agulha, e a parte metálica
dos bordos chama-se ferragem, de onde a operação de ferrar o carro, que
consiste em avermelhar o ferro com uma grande fogueira, em forma circular, e
assim colocá-lo na roda; o ferro, ao esfriar, perde a dilatação e comprime-se
junto àmadeira com bastante resistência.
A mesa do carro é composta de várias peças de madeira
e ferro, assim discriminadas; duas chedas que cingem a forma da mesa e
avançam até justapor-se ao cabeçalho com irregular espessura; o centro,
composto de duas ou mais tábuas formando, com a cheda e o cabeçalho, o estrado
ou assoalho do carro; a traseira, peça de madeira bastante grossa
que se une às duas chedas, também denominada cadeão; presa à traseira,
em suspenso, está o argolão que serve: a) para arrastar o carro quando há
necessidade de afastá-lo; b) servir de apoio à aguilhada quando o carro está em
repouso; as chedas têm doze perfurações onde se colocam os fueiros, e são
estes que protegem a carga por si sós ou cingindo a esteira, geralmente
feita de taboca ( a mais preferida), de bambu ou taquara; na parte inferior, as
chedas comportam ainda dois cocões de cada lado e são estes que cingem o
eixo; os cocões separam-se da cheda por meio de outra peça que toma o nome de chumaço;
este chumaço deve ser feito de madeira mole e própria e tem a função de, pelo
atrito, fazer o carro cantar; por esse motivo é mister engraxá-lo freqüentemente
para que não se queime; do centro do carro parte uma peça de madeira que vai até
sua extremidade, abarcando as chedas, e tem o nome de cabeçalho,
dando-se à sua ponta a denominação de pigarro, isto é, à parte de
madeira que prende a tiradeira; chaveão é a peça que prende o tamoeiro; espeque,
ou pau-de-espera, geralmente roliça que sustenta o carro em posição
normal, firmado junto à extremidade do cabeçalho, principalmente quando a carga
é pesada e há necessidade de aliviar as juntas do coice; azeiteiro é um
objeto ou vasilha feita de chifre que traz o azeite emoliente com o qual se
unta o eixo; eixo, em forma oblonga, oitavado e afilado no centro,
ajustando-se às rodas por meio dos cocões e chumaço, sendo geralmente feito de
cabreúva ou bálsamo, ipê, faveiro, aroeira ou garapa.
O carro é puxado por quatro, seis, oito, dez ou mais juntas de bois; a 1º junta tem o nome de coice ou de cabeçalho; a 2º tem o nome de chave; a 3º meio; a 4º contra-guia e também pé-de-guia, e a última o nome de guia.
Os bois são presos uns aos outros no pasto por meio
do ajoujo, quando estes já maduros têm seus chifres argolados; sendo
novos e de chifres tenros, são presos por meio da songa, isto é, uma
correia mole; assim ligados, o carreiro ajusta-lhes a canga que, por sua
vez contém: a) chaveia, perfuração por onde passa o tamoeiro; b)
o tamoeiro, grossas cordas de couro torcido que cingem a canga ao cambão;
c) os canzis, peças de madeira que atravessam a canga, um de cada lado
do pescoço do animal, sendo ligados por baixo da barbela por meio da brocha;
os canzis são recortados em cavas por onde se ajusta a brocha; as juntas são
emendadas, umas às outras e ainda ao cabeçalho, por meio do cambão,
tendo na sua extremidade grossas cordas que recebem o nome de tiradeira;
por sua vez, a tiradeira é cingida ao cambão por meio da chaveão, peça
de madeira que o atravessa.
Para estimular os bois, usa o carreiro a aguilhada,
popularmente conhecida por vara de ferrão; a vara é sempre de madeira
flexível, como a perobinha, tendo na extremidade um ferrão meio rombudo
para não rasgar o couro da rês; uma chapa de ferro cinge a extremidade da vara;
o ferrão tem no centro pequena perfuração onde passa um aro de ferro que, por
sua vez, tem diversas pequenas argolinhas; o barulho destas basta, muitas
vezes, para animar a boiada.
Quando há necessidade de afastar o carro, colocam-se
duas juntas de bois na traseira, prendendo-se o carro pelo argolão por meio do tirante
ou simplesmente da tiradeira,
de onde seu
nome.
Em viagem, o carreiro conduz sua água de beber por
meio do corote, ou ancorote, e ainda por meio de cabaças;
acabando-se o líquido precioso, enche sua vasilha no
primeiro córrego que
encontra.
Curiboque: é uma vasilha feita de ponta de
chifre com a qual os carreiros guardam
raspas de fumo,
ou rapé.
Macuta: capanga
ou bolsa feita de couro e usada pelos carreiros para condução de
seus trastes.
Mariquinha: espécie de trempe com a
qual os carreiros mantêm em suspenso suas panelas; é uma espécie de forquilha
tríplice, tendo ao centro um gancho.
Café de carreiro: beberagem preparada na estrada, em vasilha de
folha, chamada chocolateira, sem emprego de coador; a borra do café é
retirada por meio de colher e
afirmam os entendidos
que se trata
de bebida saborosa.
Quebra-quebra: nome que dão aos estalidos das
rodas quando o carro está em marcha
e bastante carregado.
Recabem: outro nome do cadeão que vai preso à
mesa por intermédio do cabeçalho.
Tucura: boi que não freqüenta curral.
Esparso: o que tem os chifres retos em sentido
perpendicular à cabeça.
Cachorro-do-mato, chapéu-de-couro: são
denominações dadas ao novilho caracu.
Camurça: rês de cor amarelo claro.
Amuar: ação do boi que, por raiva ou cansaço,
recusa-se a prosseguir viagem, permanecendo deitado e sem ação.
Candieiro: guia dos bois; menino que segue à
frente dos bois conduzindo pequena
vara de ferrão.
Cangote ou cogote: lombo, pescoço, cachaço;
lugar onde descansa a canga.
Aparelhada: boiada escolhida, onde
todos as juntas são iguais, quer em cor, quer em tamanho.
Espirituoso: boi irrequieto que
costuma abandonar os canzis quando em trabalho.
Combuco: boi de chifres
recurvados.
Gaitado: uma das três vozes do
carro de bois, cujo cântico é: fino, baixão ou gaitado.
Amarrar: benzer, encantar o carro
por meio de rezas e sortilégios; o amarrador costuma marcar a distância que o
carro pode percorrer até ser amarrado.
Amarrador: boi manhoso que costuma
deitar-se ao chão quando em marcha.
Empinar: ação do carro que
consiste em elevar o cabeçalho e abaixar a traseira pondo em jogo a
estabilidade da carga. Para que isso não aconteça, é preciso saber
repartir dita carga.
Meio carro: como seu nome indica,
comporta o meio carro metade do carro completo, sendo geralmente puxado por
novilhos amansados com redobrada paciência.
Fasta: do linguajar carreiro;
ordem imperativa que obriga os bois a afastarem o carro em sentido contrário à
marcha; em geral, cabe à junta de coice essa
função e o
fazem, erguendo a cabeça bem
alto.
Ôoooa!: ordem de parada;
quando a boiada é bem adestrada, em ouvindo essa voz,
para imediatamente sua
marcha.
Êia!: ordem imperativa de
marcha, assim como Vamos! Etc.
Emenda: auxílio costumeiro que
um carreiro presta ao outro, fornecendo sua boiada para safar carro atoleiro ou
auxiliar subida íngreme etc...
Curral de viúva: assim denominam curral
abandonado, em mau estado de conservação.
Carrear: trabalhar com o carro,
ganhar frete.
Tolda: cobertura, geralmente de couro cru e às vezes de esteira, que os carreiros põem por cima dos carros em forma arredondada para permitir o escoamento das chuvas; usam toldar o carro não só para proteger a carga, como, também, para condução de gente, como ainda é comum nas zonas afastadas, em pleno sertão.
Nome de bois: Brilhante, Figurão,
Faxineiro, Sete de Ouro, Caprichoso, Faceiro, Formoso, Cortão, Melindroso,
Rodado, Estudante, Marreco, Maginado, Trigueiro, Baralho, Limoeiro, Engomado,
Semblante, Passeio, Chibante, Moroso, Laranja, Dourado, Pavão, Estrela, Cadete,
Marmelo, Namorado, Malhado, Fazendão, Camurça, Topázio, Completo, Mirante,
Boneco, Maneiro, Durão, Capitão, Galante, Moreno, Pinheiro, Retrato, Relógio,
Brasileiro, Barroso, Estrangeiro, Marcante, Violão, Saudoso, Redondo, Figurão,
Suspiro, Amoroso, Quebranto,
Jeitoso, Roseiro, Rochedo,
Guampudo, Espaço, Carinhoso.
Provérbios e adivinhas
2 - Todo mundo quer ser ferrão, ninguém quer ser boi.
3 - Boi manso é que arromba a cerca.
4 - Boi espirituoso vara no vão dos canzis.
5 - O carreiro trabalha muito, mas só lhe sobra a cantiga do carro.
2 - O que é o que é, as filhas vão adiante e a mãe vem chorando atrás? —O carro e
os bois.
3 - São doze irmãos em viagem e nenhum deles passa adiante do outro? —Os fueiros do carro.
4 - Por que é que o boi berra? —É porque não sabe falar.
5 - O que é que vai no mato, é inhambu, quando volta, é jacú? —É o carretão, quando
vai vazio e volta com longa cauda, a tora.
Superstições e crendices
Carreiro, para ser bom mesmo, precisa saber tombar o
carro sem auxílio de outrem.
Quem aproveita suor dos bois não progride, não vai
para a frente em seus negócios, tal qual carniceiro
ou
açougueiro, jamais enriquecem.
Se o carro não cantar, os bois não puxam com gosto.
A cantiga do carro é um luxo para o carreiro,
como o estalar dos bilros é, para
as rendeiras, um
incentivo.
Caçador, carreiro e pescador são mentirosos; o
primeiro fala de suas bravatas na caçada; o pescador, de que lhe escapou o
melhor peixe de seu anzol; e o carreiro, como ninguém assistiu descarregar seu
carro para transpor o atoleiro, diz convictamente: Oh! Minha boiada é bicharada
mesmo, não negou na passagem do atolador.
Chifre de boi queimado, e raspado, sendo posto em
infusão, e tendo como veículo pinga ou erva-de-Santa Maria, faz criança
lombrigueira expelir os vermes.
Ferimento produzido em animais por arame farpado
cura-se lavando a cesura com água
em que se
coseu esse arame.
O gado pediu água até endurecer os chifres e o cavalo
até endurecer os dentes.
O bom carreiro acostuma os bois a passar atoleiros
pondo peso reduzido no carro, pois aquele que tem pouca prática é conhecido por
fazer justamente o contrário e, assim
fazendo, a boiada
facilmente desanima.
“Este carro para cantar é um pau de formiga” —idiotismo
da gíria carreira para demonstrar a
excelência do veículo.
“Pela cantiga do carro eu sei a cor dos bois” —também
colhido na mesma gíria; “Pela cantiga do carro eu sei de que pau é o chumaço” —ambas
demonstram jactância, superioridade.
“Seu couro está vendido” —idem, ameaça de morte ou
simples gracejo entre os carreiros.
O carro de bois exerce marcada influência na infância
do roceiro, tornando-se brinquedo predileto do caipirinha, quer use o primitivo
carrinho de sabugos e rodas de cabaça, quer os mais desenvolvidos onde atrelam
cães ou cabritos.
Carreiro surdo sabe que seu carro canta pondo a mão
na traseira do veículo; pela trepidação
descobre que realmente
canta.
Dizem que havia um preto velho com tanta paixão por
um carro que, não possuindo um desses veículos, arranjou um carrinho de
cabritos e com ele ia buscar lenho no mato; mesmo que a viagem fosse perto do
terreiro, costumava dormir na estrada para ter a sensação de uma viagem
longa...
Havia um carreiro dotado de tamanha força que, quando a boiada encalhava a carruagem, punha-a em marcha com um simples empurrão na traseira.
É ver o carro cantar;
Daí da frente, ó candeeiro,
Deixa esse carro rodar.
Correr atrás de boi grande;
Pedir a quem tem que dar;
Quem tem dois pode dar um,
Quem tem só um não pode dar.
Costumes locais
Antes da era do automóvel, isto é, no princípio do século, os carreiros do município de Jaboticabal, Araraquara e até Campinas abasteciam-se de sal e outros produtos necessários; levavam seus carros atopetados de carne e toucinho salgados em grandes jacás com capacidade para um suíno gordo; gastavam muito sal para que não se deteriorasse no longo período da viagem, geralmente três meses, e isolavam as postas de carne com palha de milho, sendo o toucinho vendido na base de dois mil e quinhentos réis a arroba. Outras vezes era o azeite de mamona que servia de lastro, conduzido em barris, pano de tear e outros produtos da terra; formavam grandes comboios de quatro,cinco ou mais carros, todos levando juntas sobressalentes para revezarem os cansados e doentes, e dizem que o bois pedrentos ou pedreiros resistiam melhor. Em lugares onde não havia caminho certo, o carreiro subia ao cabeçalho do carro, daí comandando a expedição, sendo seguido pelos demais carros; saiam do pouso às dez horas, dada a dificuldade em ajuntar os bois de manhã, por falta de cercas e vedações, costumando encostá-los junto a algum córrego ou clareira; cozinhavam seu alimento em mariquinhas ou tripeças em locais adrede escolhidos para pouso junto a alguma aguada; o carreiro trazia consigo a inseparável viola e terminavam em alegres catiras.
Nessas longas jornadas, o eixo do carro costumava
atorar, isto é, gastar-se completamente, o que obrigava o carreiro a substituí-lo
por outro eixo feito na ocasião.
O boi é amansado geralmente quando atinge dois anos
de idade; atrelado a outro manso, é colocado no centro da boiada, onde vai
aprendendo a marcha a seguir.
O carro conduz geralmente de 35 a 40 sacas de arroz,
mas a carga média é de 25 sacas e 80 a 100 mãos de milho, cada mão com 60
espigas.
O carro de
bois é, para o caboclo brasileiro, seu veículo por excelência, ao passo que a
carroça é o meio de transporte preferido pelo elemento alienígena. Ver um carro
pilotado por um estrangeiro qualquer, italiano, espanhol ou português, é motivo
de curiosidade, assim como ver um autêntico caipira guiando uma carroça de
burros.
EXHORTAÇÃO
que a tua sentidíssima cantiga
elasticiza os músculos retesos
dos velhos bois, que te conduzem...
Canta, carro de bois! Canta,
que a tua melancolia toada
alegra a alma ingênua do carreiro!
Canta, carro de bois! Porque, quando lá vaes
gemendo,
escondido nas cavas e nas grotas,
quem, acaso, te escuta fica imaginando
que a própria terra é que está cantando...
Poema de João de Mello Macedo.
O carro de bois no
folclore
Costume é também, para casos tais, cavoucar com enxadão
adiante da roda; neste caso, não se porá o enxadão dentro do carro antes de ele
safar-se, porque, fazendo-o, não aluirá.
Para obrigar a junta de guia, que não quer afirmar-se
nessa posição, tira-se a junta do coice, coloca-se esta na frente e o carro
andará; logo a seguir, retornar a
junta para o
coice e a
guia prosseguirá bem.
Se o carro está queimando, está aluído
ou com falta de graxa; como remendo provisório, aconselha-se ao carreiro urinar
na cantadeira do carro.
Boiada de carro no encosto, para não fugir
dessa posição, pegam-se os ajoujos, dá-se uma laçada com eles e põe-se
no argolão ou na oca do carro; com essa simpatia, os
bois ficam amarrados e não saem
da querência.
Carreiro ganhava outrora $500 e seu ajudante $500;
ganha hoje 10$000 de jornal e o candeeiro $5000; o ganho diário, inclusive o
carro, é de R.s 25$000 a 30$000.
Tanabi, 31 de outubro de 1941.
Santo Antônio e a tradição popular
Não é possível desconhecer o influxo espiritual de
Santo Antônio na vida social brasileira, comenta Ataliba Nogueira em magnífico
ensaio onde estuda a influência do querido santo em nossa tradição. Realmente,
a presença do taumaturgo, lisboeta e paduano a um só tempo, na alma brasileira,
é patente e imorredoura como legado valioso que herdamos de nossos maiores, e
se manifesta pela devoção popular, muitas vezes preenche de abusões, mas
sincera e comovente. Já em 1856, trezentos anos volvidos, num sermão que ficou
famoso pela linguagem usada, proferido no Maranhão, assim falou Vieira,
manifestando-se sobre as virtudes do santo franciscano: “Se vos adoece o filho,
Santo Antônio; se vos foge o escravo, Santo Antônio; se mandais a encomenda,
Santo Antônio; se esperais o retorno, Santo Antônio; se requereis o despacho,
Santo Antonio; se perdeis a menos miudeza de vossa casa, Santo Antonio; e,
talvez, se quereis os bens alheios, Santo Antonio”. É ele, pois, pau para toda
obra, espécie de fac totum que tudo resolve e a quem se recorre nos momentos
difíceis, eterno e incansável esbanjador
de milagres.
Daí sua presença constante entre nós, onde foi
soldado das tropas coloniais com patente de capitão, tomando parte saliente nas
defesas da Bahia, Pernambuco, Rio e outros pontos do litoral, sempre que
invocado fora na refrega ingente.
Contam-se aos milhares, pelo Brasil afora, os que lhe
usam o nome e, por isso mesmo, festejam-no jubilosos em sua data natalícia —13
de junho. É o orago de centenas de freguesias, padroeiro de muitos conventos,
irmandades e confrarias; na toponímia, ruas, praças, povoados, cidades e ainda
rios, montes e acidentes naturais deste vasto país trazem seu glorioso nome
repetido. Em muitos lugares fazem, os devotos, piedosas romarias às suas
ermidas, e, noutros, novenas e trezenas que lhe são consagradas de envolta com
os primeiros tributos pirotécnicos do
adorável mês.
As moças lhe escrevem ternos bilhetes em confidências íntimas e, quando o santo se mostra irredutível, vão às vias do cabo, arremessando sua imagem ao solo três vezes, ou arrancam violentamente o menino Deus de seus braços, com o propósito de lhe mover o ânimo. Incontáveis promessas e ex votos lhe são dedicados diariamente, mas, quantas vezes, oh! Ignomínia, mergulham sua imagem dulcíssima em pleno charco com o fim utilitário de obterem chuva. Para que as coisas perdidas apareçam, rezam as mulheres, com muita fé, seu conhecido responso; mas as moçoilas irreverentes vão ao cúmulo de descer sua imagem “de cabeça para baixo”, ao fundo do poço, onde permanecerá até que seja conseguido apaixonado anelo: retorno da pessoa amada ou próximo casamento, de onde esta quadrinha, vazada em linguagem desprevenida, mas bastante expressiva:
Meu Santo de carne e osso,
Se tu não me dá marido,
Não tiro você do poço.
Mansador de burro brabo
Vem amansar minha sogra
Que é levada do diabo.
E o trovador ambicioso seu desejo assim define:
Dentro de meu oratório;
Eu quero é o pequenino
Porque faz meu peditório.
Que livrou seu pai da morte,
Mas não livra estes meninos
Da ponta do meu chicote
Tanabi, 13 de junho de 1942.
Crendices Joaninas
Remonta aos tempos bíblicos a origem das fogueiras e
do mastro de São João que neste mês crepitam e se erguem em todos os lares do
interior brasileiro; repousa, segundo a lenda poética de Afonso Arinos, no
sinal convencionado entre Nossa Senhora e sua prima Isabel: aquela cujo bebê
chegasse primeiro anunciaria o fato mandando fincar um mastro na montanha próxima
e acenderia em torno uma fogueira. Couberam as honras da anunciação a Isabel,
porque estava escrito que São João Batista seria o precursor do Divino Infante.
Nasceram daí as comoventes festas joaninas, outrora mais brilhantes que hoje,
em que o ardor e a devoção vão, infelizmente,
morrendo.
Cumpre, por esse motivo, ir resguardando a flor mais
pura das nossas tradições, das ternas superstições nascidas em torno dessa
encantadora natividade, antes que elas se percam no olvido dos dias tumultuosos
que passam.
Conquanto menos acessível que Santo Antônio, o dileto
filho de Isabel, que teve a ventura de batizar o meigo Bambino, é bem o
santo casamenteiro por excelência, freqüentemente invocado pelas candidatas ao
conjugo vobis, e assim é que, para saber qual o futuro esposo, deve a moça
escrever o nome de todos os prediletos, em diferentes retângulos de papel que,
devidamente enrolados, são colocados ao sereno em plena noite joanina; aquele
que amanhecer mais entreaberto, conterá esse o nome do escolhido; outro método
consiste na oferta de uma ceia à meia noite desse advento a todos os prováveis
pretendentes: aquele dos primeiros que surgir, aos olhos da enamorada, esse será
o felizardo com o qual se unirá pelos laços do himineu; mas, para simples obtenção
do nome do futuro esposo, enterrar, ainda nessa noite benquista, afiada faca em
caule de bananeira e quando o sol surgir de novo, ao retirar a lâmina,
encontrará nesta gravadas as iniciais do ambicioso noivo; casamento espontâneo
e breve logrará aquela que atirar uma madeixa de seus cabelos na cova onde será
plantado o mastro de São João; plantar três dentes de alho na sagrada noite,
pensando firmemente na pessoa ideal e querida, e amanhecendo, estes brotados:
casamento na certa; moça que quer descobrir quais as posses de seu futuro, nada
mais fácil que colocar debaixo do travesseiro, em noite de São João, três grânulos
de feijão, um deles com sua pevide, outro semi descascado e o terceiro
desprovido de casca; ao amanhecer, retirará um deles, indicando a primeira
riqueza; o segundo posses medianas e pobreza o último; prenúncio certo de
casamento é o fato de acontecer saltarem simultaneamente fogueira
de São João
dois jovens de
sexo oposto.
Aquele que, à meia noite de São João, a mais curta do
ano, segundo a tradição, não divisar, no espelho das águas, sua efígie
completa, nesse mesmo ano morrerá; daí
a quadrilha popular:
Fui lavar as minhas mágoas,
As mágoas tão negras são
Que enegreceram as águas.
Água apanhada no rio, ao clarear desse dia, tem o
condão de espantar sevandijas,
baratas e percevejos.
Caule de mangueira, mangifera indica, engrossa
facilmente sendo riscado a canivete na véspera de São João.
E as árvores maninhas, jaboticabeiras e laranjeiras
de preferência, florescem e frutificam
sendo surradas nessa
adorável madrugada.
No decorrer dessa noite, apanhar o primeiro ramo que
se encontrar no caminho e com ele friccionar as verrugas é obter cura radical
dessas incômodas excrescências.
Para aplacar tempestades: queimar restos de lenha,
servida em fogueira de São João, e quem tem fé inabalável no Evangelista pode
atravessar descalço e incólume sua ardente
pira.
Finalmente, para ter sorte, basta encontrar pedra
expedida do bucho de rês nascida em noite de São João. São João,
entretanto, não assiste às comemorações de seu genetlíaco e dorme três dias a
fio, reza popularíssimo reconto, porque, dizem, se soubesse quanto é festejado
na terra sentir-se-ia orgulhoso e perderia sua alma. Variação dessa lenda é a
que vem expressa nas seguintes
expressivas quadras do
folclore popular:
Não acorda, não!
Dê-lhe cravos e rosas
E manjericão.
Que era hoje seu dia,
Descia do céu à terra
Com prazer e alegria.
Tanabi, 24 de junho de 1942.
Para o Historiador
Sebastião Almeida... os
deusesderam-te um belo destino:ser escritor, fina lavra,desde criança,
menino...
Em terra inculta
escrevestea bico de arado brutoe a terra se abriu em flore a terra se abriu em
fruto.
Escreveste em branca páginaa
bico de culta penaficou a página históricae ficou também poema.
Poema à terra
formosa...borboletas...rio fluente...história de altivo povono passado e no
presente...
Povo e terra agora
escreveno coração, na memória,o teu nome, monumentoum monumento de glória.
* Este poema é uma homenagem do Poeta e Prof. Luiz Maria Aimones Fúmis. Amigo de longas datas de
Sebastião Almeida Oliveira.
ALEGRIA: bairro e córrego afluente do ribeirão Jataí distante cerca de oito quilômetros da cidade. Querem alguns que o verdadeiro nome da fazenda geral “Jataí de Baixo” seja esse de Alegria, dado que é lá que se processou uma das primeiras posses nas terras de Juca Boiadeiro hoje pertencente a terceiros. Gostaria de acrescentar que, Juca Boiadeiro era meu avô e seu nome era José Alves Garcia. Permutou sua propriedade em Tanabi com outra em Aparecida do Taboado MS (MT naquela época) onde residiu até falecer, acredito que no início de 1941 pois meu irmão, que é de 17/06/1941 tem o seu nome mas não tem Neto no nome pois o avô havia falecido. Juca Boiadeiro trouxe consigo toda a família, filhos, noras e netos.
ResponderExcluirALEGRIA: bairro e córrego afluente do ribeirão Jataí distante cerca de oito quilômetros da cidade. Querem alguns que o verdadeiro nome da fazenda geral “Jataí de Baixo” seja esse de Alegria, dado que é lá que se processou uma das primeiras posses nas terras de Juca Boiadeiro hoje pertencente a terceiros. Gostaria de acrescentar que, Juca Boiadeiro era meu avô e seu nome era José Alves Garcia. Permutou sua propriedade em Tanabi com outra em Aparecida do Taboado MS (MT naquela época) onde residiu até falecer, acredito que no início de 1941 pois meu irmão, que é de 17/06/1941 tem o seu nome mas não tem Neto no nome pois o avô havia falecido. Juca Boiadeiro trouxe consigo toda a família, filhos, noras e netos.
ResponderExcluirPara ser mais exato, se assim posso dizer pois é o que ouvi pois sou mais novo e nem conheci meu avô, Juca Boiadeiro permutou sua propriedade de Tanabi SP com uma outra que era de propriedade de Joaquim Lucas em Aparecida do Taboado MT (Naquela época) e parte dessa "fazenda" de Aparecida do Taboado, meu avô doou para a Igreja onde foi formado o Patrimônio Bom Jesus e que ficou mais conhecido como Cabajá.
ResponderExcluire ainda mais, meus irmãos mais velhos referiam-se a Jerônimo Fortunato como Tio, não sei realmente qual o grau de parentesco.
Recentemente conversando com meu irmão mais velho, fez 92 anos em
ResponderExcluir28 de junho deste ano, ele disse que Jerônimo Fortunato era genro
de Juca Boiadeiro, meu avô, casado com Maria Alves Garcia, apelidade de Maria Juca, faleceu em Araçatuba SP.
Juca Boiadeiro é avô do meu falecido sogro, Antônio Martins Garcia (Tortéia). Estou fazendo a árvore genealógica da família no site https://www.familysearch.org/ , se puder acrescentar dados lá, vamos aumentando as informações. Qualquer dúvida, me chame no email deboralfg@hotmail.com
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